Centro de Estudos Medievais - Oriente & Ocidente


VAS e Comunidade - Memória afetiva dos primeiros tempos


Professora Jô (Maria Josenita Viana)

Professora do Ensino Fundamental II e Ensino Médio. Aposentada do VAS
Formada em licenciatura plena em História e Pedagogia, bacharel em Direito,

Com especialização em História pela UNICAMP.

 Páginas  anteriores sobre o VAS (1. Atividades do Cemoroc  e 2. Publicações dos Professores do VAS) 


Em primeiro lugar peço desculpas a todos por algum esquecimento.

Nos 25 anos do VAS, estive presente durante 21 anos. E foram tantas as conquistas e mudanças!

Conheci o Vereador Antônio Sampaio no processo de Remoção da turma de 1995. A escola acabava de ser inaugurada no governo de Paulo Maluf, éramos todos – professores e funcionários – novos; chegamos e encontramos um espaço a se construir, muito mais do que paredes, encontramos: possibilidades, desejos e sonhos.

 

Marlene, Dona Neusa e Jô

 
A remoção aconteceu e nem tínhamos a certeza das aulas. Por conta do endereço, nossa escola ficou conhecida nos primeiros anos como “Dervilinho”, como se fosse uma extensão da vizinha EMEFM Prof. Derville Allegretti (R. Voluntários da Pátria No. 777; o Vas é o No. 733), o que não traduzia a verdade.

O VAS nasceu como uma tentativa de criação de um colégio técnico de Processamento de Dados, tínhamos 4 períodos: TEC (7 às 11h) Fund. I (11 às 15h); Fund. II (15 às 19h); Ensino Médio (19 às 23h). Naquele momento, com a promessa de um colégio técnico de qualidade, recebemos alunos de toda a região, e seguiu-se uma grande decepção, pois o prédio existia, mas a prefeitura não havia dado condições mínimas para que a escola pudesse se desenvolver.

 


Josenita e equipe do VAS

 

Sim, a grade curricular comum estava preenchida, porém faltavam computadores e professores do núcleo técnico: não havia concurso e os professores, para serem contratados, deveriam ter uma carga horária de licenciatura, o que os obrigaria a fazer curso de complementação... Enfim, por falta de estrutura mínima o curso de processamento de dados foi desativado e para não perdermos o Ensino Médio, iniciamos o processo de inclusão.

 


Alunos na aula de Ciências da Profa. Ana

 

Como na época tínhamos a Profa. Cláudia, especialista em inclusão, a escola abriu as portas para receber os alunos com necessidades especiais, especificicamente os surdos, e a comunidade dos surdos foi atendida no aspecto de formação do Ensino Médio.

Assim, passamos a atender de maneira pioneira no bairro, múltiplas necessidades: eram alunos com vários graus de dificuldades e nós, do corpo docente, aprendendo com eles. Passamos a ser vistos como um espectro do Derville, o Derville que não deu certo, não tínhamos identidade (“o Dervilinho”...). Aquele momento era de muita frustração: alunos insatisfeitos, pais descontentes e com o sentimento de que tinham sido enganados; e nós professores, que tínhamos vindo removidos, sem a menor noção de todo este jogo político, sabíamos que tínhamos que fazer a escola funcionar...

 


Núcleo Pedra Grande em excursão

 

Começamos a receber todos os alunos com dificuldade de aprendizagem e comportamental; a direção que viera para atender ao curso técnico, logo desistiu e pediu remoção. Recém abertos, não tínhamos Coordenador e uma professora, Nilce, assumiu o desafio de coordenar o Ensino Fundamental II e a professora Maria Helena o Fundamental I. Até a vinda da coordenadora Dalete, que chegou num momento em que a escola estava com as salas pichadas, carteiras quebradas, havia muitas brigas, muitos conflitos de ordem pessoal (muitas vezes originados no entorno de moradias da escola), um barulho enlouquecedor... O que, então, ainda não compreendíamos, era que os alunos queriam dizer que eles não eram e nem seriam alunos do Derville; eram alunos do VAS e precisávamos encontrar a nossa identidade.

 

 
Muitos se removeram, mas aqueles que ficaram resolveram fazer aquela escola funcionar, apesar de tudo e de todos. Para isso era necessário nos desvincularmos da imagem do Derville e criarmos nossa própria face. Os professores do Fund. I trabalharam arduamente para que os alunos chegassem ao Fund. II com o mínimo necessário. Houve muito empenho, estudo, discussão, divergências etc. para que os professores do Ensino Fundamental fossem ouvidos e suas propostas respeitadas – como tudo na história do VAS, só se obtém com muita dedicação e luta...

Mas nem tudo eram espinhos: em 1999, ganhamos o prêmio Vasco da Gama de redação (terceiro lugar) e a aluna premiada foi para Porto Seguro para receber o prêmio, junto com sua professora, com tudo pago, e esta mesma aluna veio a se tornar professora.

Não lembro exatamente o ano em que dona Neusa assumiu a direção da escola, porém, mesmo com as divergências, ela não impedia o grupo de trabalhar e sempre que possível prestigiava o trabalho dos alunos, indo às salas para assistir suas apresentações, fomentava as atividades lúdicas: os teatros, cantos e as danças. Todo ano, durante a sua administração, a escola era pintada  e sempre tinha uma reforma, o que não veio a ocorrer com seus sucessores.

 

Apresentação de
várias culturas do mundo por professores e funcionários

 
Com o fim do curso técnico, houve uma mudança do horário, o que possibilitou uma nova atitude e um ganho em termos pedagógicos. O Fund. II passou para o horário das 7 às12h e o Ens. Médio e o Fund. I para o das 13 às 18h. E ficou estabelecido que a JEIF – horário coletivo de estudo dos professores – seria realizada após as aulas.

Começava ali uma escola com muitas mulheres fortes e determinadas. No início tínhamos poucos professores, mas todos os que chegavam eram extremamente comprometidos, como foi o caso do Prof. Wilson, de Educação Física, um grande articulador entre os alunos, que estimulava o protagonismo deles, estabelecendo regras claras e os alunos adoravam os jogos. O Prof. Wilson estimulava a atividade física, assim como a autoestima do educando, tão necessária naquele momento de formação da escola. Era imprescindível dar voz e de fato escutar os alunos, levando em consideração a origem de seus anseios e o Prof. Wilson fez isto até a sua aposentadoria, contando com o apoio da Profa Doroteia e dos demais professores, que refletíamos sobre como apoiá-los nos campeonatos.

 

 

 Neste processo de conflitos e aprendizagem fizeram-se necessárias pontes e mediações, o que possibilitou a construção das salas ambientes, uma ideia trazida pelo professor Nilton, que chegou agregando e trazendo novas ideias, que abraçamos temerosos, pois o novo sempre nos assusta, mas foi um sucesso.

Outro ganho para a formação da identidade do VAS: a coordenação fez todas as articulações necessárias, com estudos e aprofundamentos para que as salas ambientes se tornassem uma realidade. O logotipo do VAS foi uma criação dos alunos; o desenho dos uniformes, um projeto do professor de arte.

A criação das salas ambiente foi um ganho em termos pedagógicos: os alunos passavam agora a ter um maior controle sobre os espaços do saber, ocupando-os e identificando-se com as propostas de cada componente curricular. Vale ressaltar que a sala ambiente exige uma postura pedagógica peculiar, na qual o educador tem maior controle, porém requer mudanças no formato organizacional, ou seja, o professor deve criar um espaço criativo de escuta e para isto a organização, desde a entrada dos alunos, é essencial; o professor deve estar atento a cada minuto, pois os educandos estão o tempo em movimento e nos testando. Assim, aos poucos, as pichações foram diminuindo até desparecerem; as cadeiras deixaram de ser quebradas e os alunos foram se identificando e amando o VAS.


Projetos

Vale ressaltar que (mesmo sem denominá-los assim) criávamos mapas mental e conceitual, ao estabelecermos nas salas ambiente, um registro com cartazes e produtos criados pelos alunos, realizados nas aulas de História, Ciências, Geografia, Sala de Leitura... e os cartazes eram muito semelhantes a E-books. Nós, professoras de Ciência, História e Português, realizamos um Projeto denominado “Diário das Possibilidades”; projeto que nasceu de nossa observação da falta de sonhos dos alunos, tão importantes para impulsioná-los a buscar mais e a realizarem o seu verdadeiro protagonismo. Ao colocarem no papel os seus sonhos, eles se materializavam em possibilidades.

 


Diário de Possibilidades

 

Um Projeto importante, que envolvia História, Português, Educação Física, Inglês, Ciência, Arte, Informática e Sala de Leitura, era o “Sarau de Poesia”, que começou timidamente e ao longo dos anos se transformou em um evento cultural com a nossa identidade, no qual foram homenageados vários autores nacionais e internacionais. Nele, vários talentos foram descobertos pois havia espaços para a música, dança, percussão, teatro e, ao final, o projeto envolvia toda a comunidade escolar, com direito a certificado.

Outro Projeto foi o reconhecimento histórico e cultural dos espaços públicos, as visitas ao Centro Velho, principalmente com os alunos do Ens. Médio que, apesar da proximidade do centro, não o conheciam e nem se sentiam pertencendo a esses espaços.Assim como o Projeto do Prof. Luís sobre a diáspora do povo negro, que resultou em uma parceria com instituições americanas e o Museu Afro, proporcionando um intercâmbio, no qual dez alunos nossos, afrodescendentes, fizeram uma viagem aos Estados Unidos.

Vale ressaltar que, independentemente da proposta da Prefeitura, nós, com a nossa intuição, fomos elaborando intuitivamente um projeto epistemológico respeitando a subjetividade de cada aluno. Influenciados por Paulo Freire, buscávamos estar abertos a novas experiências, a despertar a curiosidade; ao aprender a aprender. Estabelecíamos ideias de que respeito não é sinônimo de servidão, subserviência, passividade, negação da reflexão. Respeito é um ato de amor ao próximo e a si mesmo.

“Ensinar não é transferir conhecimentos” (Paulo Freire) é aprender a interagir com os alunos estimulá-los a aprender e a reconhecer a sua própria voz. Os primeiros alunos chegavam ansiosos, assustados, muitos vítimas de suas histórias, tendo a escola como um refúgio para a sua humanização. Muitos desses alunos não dispunham de condições mínimas para estudar e muitas vezes, em nossa intolerância, não percebíamos a partir de que situação eles falavam... Esses educandos nos ensinaram a ser mais tolerantes, respeitosos, a aprender a ouvir, e também como ensinar, e só assim foi possível que a escola, que nasceu com um estigma, se transformasse em uma linda unidade escolar com suas particularidades e singularidades.

Uma escola preocupada com a leitura, escrita e identidade, que buscava o tempo todo o respeito aos Direitos Humanos e o combate às intolerâncias e intransigências. Todo um processo de parcerias e construção de pontes, pois mesmo sem quebrar nenhuma parede, era possível perceber os vínculos afetivos e cognitivos que se estabeleceram, o que propiciou amizades duradouras e alunos com histórico de sucesso e realização. É bem verdade que alguns se perderam pelo caminho, mas muitos realizaram seus sonhos e, tenho certeza, lembram-se do VAS com muito carinho. Assim como nós.