1. Título - CALENDÁRIOS
MENSTRUAIS: A ETNOMATEMÁTICA DAS MULHERES
2. Proposta do tema:
-
Produzir novos conhecimentos sobre a etnomatemática
das mulheres no que se refere à menstruação
3. Autora: Silvia Regina Silva Ribeiro
-Tel(0xx21): 613-5021 e 704-4667
E-mail: srsr@bc.microlink.com.br
4. Resumo:
As mulheres são produtoras
e transmissoras de conhecimentos sobre a menstruação desde
a pré-história. À medida que as culturas se tornaram
patriarcais, o sangue passou de sagrado a impuro, os calendários
menstruais se tornaram universais e uma propriedade da medicina.
As mulheres possuem múltiplas
identidades e, na nossa sociedade, diversas culturas estão em confronto.
Pretendemos, portanto, investigar as matematizações menstruais
analisando os conflitos entre as culturas – popular e erudita – no Rio
de Janeiro, na atualidade.
5. Palavras-chave: etnomatemática;
mulheres; menstruação
6. Introdução:
O presente trabalho é
parte de uma pesquisa que se encontra em andamento.
Conceituamos calendários
menstruais como todos os códigos utilizados pelas mulheres para
calcular/acompanhar os seus ciclos menstruais: registros escritos, desenhos,
gráficos e instrumentos diversos como cordões, colares e
o próprio corpo.
Nossa investigação
parte dos seguintes problemas:
-
Quais são os métodos utilizados
pelas mulheres para acompanhar os seus ciclos menstruais? / Como se dá
a produção e a transmissão dos conhecimentos das mulheres
sobre os calendários menstruais e o referido ciclo menstrual? /Quais
são os conceitos matemáticos envolvidos nesse processo? As
concepções científicas, sócio-culturais e
religiosas exercem algum tipo de influência?
Pretendemos analisar as matematizações
das mulheres no que se refere à menstruação, na cidade
do Rio de Janeiro, na atualidade. Começamos entrevistando estudantes
de uma escola pública situada no bairro de Benfica/Rio de Janeiro.
Na base teórica adotamos
as contribuições de Ubiratan D'Ambrosio, Carlo Ginzburg,
Julia Leslie, Roy Porter, Alexander Marshack, Ana Maria R. Seixas,
entre outros.
Identificamos três conflitos
entre a cultura popular e a cultura erudita. Primeiramente, existem poucas
referências históricas sobre os calendários menstruais.
O segundo conflito se refere
à apropriação - pelos homens - do conhecimento
feminino sobre os calendários menstruais, à medicalização
e à universalização dos métodos de calendário
a partir da década de 30(século XX), com as descobertas de
Ogino e Knauss.
O terceiro conflito se refere
às recentes propostas de suspensão da menstruação
através de medicamentos diversos.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais ao
apresentarem sugestões de articulação entre a Matemática
e o Tema Transversal Orientação Sexual não
abordam a questão da etnomatemática das mulheres, no que
concerne à menstruação. Vale lembrar que uma das sete
inteligências apresentadas por Howard Gardner é a inteligência
corporal.
Concebemos o corpo numa visão
de totalidade. Um corpo que, por exemplo: matematiza; produz história;
se comunica com os outros seres humanos(artes, linguagens); se desloca
no espaço; se movimenta; manifesta e exerce a sua sexualidade;
ama; produz conhecimentos; constrói peças e artefatos diversos.
Acompanhar/registrar os ciclos
menstruais reflete a autonomia das mulheres diante do seu próprio
corpo e sua fertilidade; revela o conhecimento que as mulheres têm
do próprio corpo – é uma questão de cidadania.
7. Objetivos:
-
Descrever e analisar os métodos utilizados
pelas mulheres brasileiras para elaborar seus calendários menstruais.
-
Analisar os motivos que levam determinadas
mulheres a não elaborarem qualquer tipo de calendário menstrual.
-
Descrever e analisar os processos de produção
e transmissão de conhecimentos das mulheres sobre os calendários
menstruais e o referido ciclo.
-
Analisar as influências das concepções
científicas, religiosas e/ou sócio-culturais nos processos
de produção e de transmissão de conhecimentos sobre
os calendários menstruais e o referido ciclo.
-
Analisar as relações entre a
cultura popular e a cultura erudita nos processos de produção
e transmissão de conhecimentos sobre os calendários menstruais.
-
Descrever os conhecimentos matemáticos
utilizados na confecção dos calendários menstruais.
8. Desenvolvimento do tema:
Quais são as contribuições
dos conhecimentos femininos para a nossa história?
A história “oficial”
seja da humanidade ou da matemática se constitui em uma versão
masculina da mesma. Por isso, não costuma registrar a presença
das mulheres na história de ciências como a Matemática.
Conforme já afirmamos,
as mulheres são produtoras e transmissoras de conhecimentos sobre
a menstruação desde a pré-história.
Houve um tempo “em que as
mulheres e os homens veneravam a Grande Deusa, a Mãe Terra, e em
que imagens de mulheres criativas e fecundas eram esculpidas em pedra”(OWEN,
1994, p.28).
O osso Ishango, foi produzido
no período Paleolítico, há cerca de 20 a 25 mil anos
atrás(MARSHACK, 1991, p. 32). Foi também no Paleolítico
Superior que surgiram as “deusas da fertilidade”, as “Vênus” como
a Vênus de Laussel. Estes objetos são considerados calendários
lunares. Quem além das mulheres, observando o curso de seus
ciclos menstruais, necessitaria de um calendário lunar, no Paleolítico?
Segundo SEIXAS(1998, p. 28),
é no período Neolítico que a mulher começa
a perder o seu poder – a agricultura passa a ser realizada por homens.
“O homem caçador torna-se o homem-pastor” e as atividades das mulheres
são “reduzidas a sua propriedade”. Além disso, é nesta
fase que os homens descobrem que têm participação na
procriação. Essa descoberta contribui para que os homens
ampliem seus espaços de dominação confinando as mulheres
ao espaço privado.
Nas culturas matriarcais o
sangue significava a vida, “um portador de magia porque representava o
mistério da força vital”(OWEN, 1994, p. 51). Um dos primeiros
sacramentos utilizados pela humanidade foi o sangue – que era considerado
sagrado na tradição tântrica e entre os taoístas,
os egípcios, os persas e os celtas.
Parece-me óbvio que
a atribuição de poderes mágicos ao sangue menstrual
e às mulheres deve-se ao fato de as mulheres sangrarem, mensalmente,
por mais ou menos 5 dias e não morrerem. Se um homem se machuca
e sangra por 5 dias, morre.
À proporção
que as culturas foram se tornando patriarcais, os rituais femininos foram
distorcidos e o sangue menstrual passou a ser considerado impuro. Essas
culturas desde então vem criando mecanismos diversos para ocultar,
desvalorizar e depois se apropriar de todos os aspectos da vida ligados
ao feminino. Tais mecanismos apresentam manifestações que
variam no tempo e no espaço, nas diversas culturas.
ZASLAVSKY(1992) diz que as mulheres foram as
primeiras matemáticas e cita um trecho de um artigo de Dena Taylor
que diz que: “a natureza cíclica da menstruação tem
desempenhado um papel importante no desenvolvimento do cálculo,
da matemática e da medida de tempo.” BUTTERWORTH(1999, p.44)
também concorda com essas autoras.
IFRAH(1989, p. 82) declara que na China as mulheres
atavam “sucessivamente, a cada dia, um pequeno cordão nas vinte
e oito falanges de suas mãos”, para acompanhar os seus ciclos menstruais.
A construção
de calendários menstruais envolve: codificação, ordenação,
classificação(período fértil, período
infértil, ciclo regular, ciclo irregular), contagem, adição.
Na análise dos calendários
menstruais considerarei tanto aqueles que são criados pelas mulheres(calendários
populares) como aqueles que foram “inventados” por médicos ou cientistas
e hoje por elas são utilizados e, também, os produzidos na
perspectiva da circularidade cultural – a cultura dominante tem o seu modo
de filtrar, assimilar e incorporar as culturas populares
e vice-versa.
Em julho de 2000 iniciamos
uma pesquisa qualitativa na Escola Municipal Cardeal Leme(Benfica/RJ) com
51 adolescentes, da 4ª a 8ª séries do 1º grau,
com idades variando de 10 a 18 anos. Realizamos uma entrevista com 11questões.
Destacaremos algumas delas
a seguir.
Ao perguntarmos – Quem lhe
falou pela primeira vez sobre menstruação? – constatamos
que as mulheres são(continuam sendo) transmissoras de conhecimentos
sobre a menstruação. Todas as estudantes aprenderam sobre
menstruação com mães ou tias ou irmãs ou avós
ou professoras.
Com relação
aos calendários menstruais constatamos que:
-
as mulheres são produtoras de conhecimentos
sobre os mesmos. Há quem sinta a necessidade de criar um registro
e faz/constrói isso sozinha. Há quem aprenda com outras mulheres.
Essa aprendizagem ocorre na família, na escola, no consultório
ginecológico e entre amigas.
-
56,8%(29 mulheres) costumam registrar os seus
ciclos menstruais em: calendários, agendas, diários, tabelas,
cadernos de anotação ou mentalmente.
-
43,2%(22 mulheres) não fazem nenhum
tipo de anotação. Dentre estas há justificativas como:
“meu ciclo é irregular”. A rigor, a irregularidade seria um bom
motivo para fazer um calendário menstrual, mas, essas mulheres ainda
não percebem isto. Outras não sabem como anotar e há
uma que diz que está pensando em começar a registrar os seus
ciclos.
Uma outra pergunta feita foi:
Na sua opinião existe alguma relação entre Matemática
e menstruação?
-
responderam SIM( 26 estudantes - 50,98%).
As relações percebidas se referem aos cálculos realizados
para acompanhar os ciclos.
-
responderam NÃO(14 estudantes – 27,45%).
Entre as respostas destacamos duas: “Não. Matemática é
uma matéria escolar. Menstruação é uma coisa
da gente mesma” e “Não, porque Matemática é números
e menstruação são dias horríveis”.
-
2 não sabiam o que dizer.
-
9 não responderam esta questão.
A entrevista também trouxe
à tona outras problemáticas como:
-
algumas mulheres que se sentem sujas quando
estão menstruadas;
-
tabus e crenças populares transmitidos
pelas mães a essas estudantes: evitar comer determinados alimentos
e evitar andar descalça no período menstrual;
-
outras modificações de hábitos
e rotinas no período menstrual;
-
há quem esconda da família que já
aconteceu a menarca.
9. Conclusões
As análises preliminares
mostram que a maior parte das mulheres entrevistadas, não está
criando seus próprios calendários, mas, fazendo anotações
em um calendário padronizado. Professoras e ginecologistas apresentam
as suas alunas os calendários universais – tabelas menstruais, agendas
e calendários. Naturalmente, há diferenças nos registros,
algumas circulam os dias no calendário comum, outras riscam,etc.
É preciso continuar investigando para obtermos maiores dados sobre
as interrelações entre as culturas em discussão como:
as circularidades culturais, as resistências culturais, as transgressões,
as alianças, os consentimentos e as metamorfoses ocorridas.
Questionamos a universalidade
das tabelas propostas pela Medicina. Essas tabelas são divulgadas
com o objetivo de controlar a natalidade. Não há interesse
em desenvolver o conhecimento sobre a sexualidade ou sobre as matematizações
femininas.
Pretendemos aprofundar as
questões já observadas, realizando novas entrevistas e promovendo
encontros regulares com os grupos analisados para discutir os dados e os
problemas neles apresentados. Objetivamos que esses grupos produzam
novos conhecimentos a partir dessas discussões.
Pesquisaremos também
as concepções masculinas e de que modo os homens se relacionam
com as mulheres menstruadas no trabalho, na família e na escola.
Acreditamos que cabe aos educadores
matemáticos e aos orientadores sexuais assumir como D'AMBROSIO(1990,
p. 17) que
cada grupo cultural tem suas formas de matematizar.
Não há como ignorar isso e não respeitar essas particularidades
quando do ingresso da criança na escola. Nesse momento, todo o passado
cultural da criança deve ser respeitado, isso não só
lhe dará confiança em seu próprio conhecimento, como
também lhe dará uma certa dignidade cultural ao ver suas
origens culturais sendo aceitas por seu mestre e desse modo saber que esse
respeito se estende também a sua família e a sua cultura.(...)
É o processo de liberação do indivíduo que
está em jogo.
Enfim, valorizar a cultura
das mulheres. Este é o nosso desafio.
10. Referências Bibliográficas
1. BRASIL. Secretaria de Educação
Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais:
terceiro e quarto ciclos: apresentação dos temas transversais.
Brasília:
MEC/SEF, 1998.
2. BRASIL. Secretaria de Educação
Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais:
pluralidade cultural, orientação sexual. Brasília:
MEC/SEF, 1998.
3. BRASIL. Secretaria de Educação
Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais:
matemática(5ª a 8ª séries). Brasília: MEC/SEF,
1998.
4. BRASIL. Secretaria de Educação
Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais:
matemática(1ª a 4ª séries). Brasília: MEC/SEF,
1997.
5. BUTTERWORTH, Brian. What counts: how every
brain is hardwired for math.
New York: The Free Press, 1999.
6. D’AMBROSIO, Ubiratan. O futuro da história:algumas
preocupações metodoló-
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de Estudos sobre Relações
entre História e Pedagogia da Matemática. Blumenau, p. 47-54,
jul. 1994.
7. D’AMBROSIO, Ubiratan. Etnomatemática.
São Paulo: Ática, 1990.
8. GARDNER, Howard. Estruturas da mente: a teoria
das inteligências múltiplas.
Porto Alegre: Artes Médicas, 1994.
9. GINZBURG, Carlo Mitos, emblemas, sinais.
São Paulo: Companhia das Letras,
1989.
10. IFRAH, Georges. Os números: a história
de uma grande invenção. Rio
de
Janeiro: Globo, 1989.
11. LESLIE, Julia. Algumas concepções
indianas tradicionais sobre a menstruação
e a sexualidade feminina. In: PORTER,Roy,
TEICH, Mikulas (org.).
Conhecimento sexual, ciência sexual. São Paulo: Fundação
Editora da
UNESP, 1998.
12. MARSHACK, Alexander. The roots of civilization:
the cognitive beginnigs of
man's first art, symbol and notation. New York: Moyer Bell, 1991.
13. OWEN, Lara. Seu sangue é ouro. Rio
de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1994.
14. PORTER, Roy, TEICH, Mikulas(org.). Conhecimento
sexual, ciência sexual: a
história das atitudes em relação à sexualidade.
São Paulo: Fundação Editora da
UNESP, 1998.
15. SEIXAS, Ana Maria Ramos. Sexualidade feminina:
história, cultura, família -
personalidade & psicodrama. São Paulo: SENAC, 1998.
16. ZASLAVSKY, Claudia. Women as the first mathematicians.
ISGEm Newsletter
(International Study Group on Ethnomathematics). v. 7, n. 1, jan. On line.
Disponível: http://web.nmsu.edu/~pscott/isgem71.htm[capturado em
07/11/1999].