Proposta do tema Escolhido: Discussão sobre a implementação de uma prática pedagógica, em uma perspectiva etnomatemática, que ofereceu espaços para que os estudantes pudessem compreender e interpretar situações sociais, historicamente construídas que favorecem a existência dos processos de exclusão e desprivilegiamento das minorias.
Autora: Vera Lucia da Silva Halmeschlager
Resumo
A presente comunicação busca relatar sobre um processo
pedagógico que estabeleceu vínculos entre Educação
Matemática e a discussão de processos de exclusão
e desprivilegiamento de grupos humanos em função de etnia
ou raça e a interseção dessas com a dinâmica
de classe social.
A prática pedagógica envolveu estudantes de duas
turmas de primeiro ano do Ensino Médio, do curso noturno,
de uma escola da rede pública estadual situada no município
de Canoas, Rio Grande do Sul.
Palavras Chave: Etnomatemática, Etnia ou Raça,
Desigualdade Educacional.
Introdução
O presente trabalho de pesquisa constitui-se na dissertação
de mestrado, defendida por mim em agosto de 2000, sendo orientado pela
profª. Drª. Gelsa Knijnik na Universidade do Vale do Rio dos
Sinos – UNISINOS.
Etnia, Raça e Desigualdade Educacional: Uma abordagem Etnomatemática
no Ensino Médio noturno é fruto de minha caminhada como professora
de Matemática nos diferentes níveis de escolarização
e das constantes indagações que permearam minha prática
aliadas à atitude que adotei de refletir criticamente sobre meu
próprio fazer pedagógico. A pesquisa que realizei não
resultou, portanto, da problematização de práticas
educativas de outros professores, mas foi meu próprio fazer pedagógico
que tomei como objeto de análise.
Diante do reconhecimento de que professores e professoras não
são neutros e de que fazer educação não se
resume em aplicação de técnicas e recursos didáticos,
neste estudo reuno reflexões sobre um processo que estabeleceu vínculos
entre conhecimentos matemáticos e a discussão de modalidades
de organização social, nas quais traços físicos
e diferenças culturais são transformadas em privilégios
ou desvantagens sociais. Assim, o processo pedagógico desenvolvido,
com o grupo de estudantes, não caracterizou-se como um recorte a
partir do qual os conteúdos matemáticos pudessem ser exemplificados,
mas como material curricular que se propunha a favorecer não somente
a aquisição de habilidades cognitivas como também
atitudes de solidariedade e questionamento crítico de estruturas
mais amplas da sociedade.
Objetivo
O estudo teve por objetivo analisar as repercussões
e as implicações educacionais de uma prática pedagógica
que vinculou Educação Matemática à discussão
das desigualdades educacionais e sociais em função de raça
ou etnia e a interseção destas com a dinâmica de classe
social.
Desenvolvimento do Tema
O desenvolvimento do processo pedagógico
teve inicio a partir de um diálogo em que alunos e alunas manifestaram
suas dificuldades e expectativas em relação à Matemática
escolar. A partir deste diálogo reuni materiais que vinham ao encontro
daquilo que havia sido expresso pelo grupo. Em decorrência do trabalho
que desenvolvemos em torno destes materiais e das discussões que
ocorreram em sala de aula surgiu, no grupo um conjunto de indicadores sociais
que foram problematizados. Entre estes destacou-se a exclusão social
e cultural dos afro-descendentes.
A continuação do trabalho consistiu
em uma pesquisa, realizada pelos estudantes, sobre as condições
sociais e culturais de seus próprios colegas, afro-descendentes,
da escola. No decorrer do processo, os dados coletados pelos estudantes
foram sistematizados, analisados e discutidos. Estas atividades não
só enriqueceram as discussões sobre o tema mas também
desencadearam questões sobre o uso de ferramentas estatísticas
usualmente empregadas em pesquisas. Além disso, suscitaram discussões
sobre as condições em que são efetivadas pesquisas
de opinião.
Como atividade final do trabalho, foi organizado
um debate onde foram socializadas as discussões realizadas ao longo
do processo pedagógico.
A parte empírica da pesquisa foi realizada
através de técnicas etnográficas tais como diário
de campo, observação participante e entrevistas semi-estruturadas.
Esta teve duração de cinco meses e foi construída
tendo como suportes teóricos centrais as idéias presentes
na Etnomatemática e no Multiculturalismo Crítico.
O descontentamento com o papel que a escola tem
desempenhado, com o que é considerado conhecimento legítimo
a ser oferecido aos estudantes que, através de métodos e
experiências reafirmam que o sucesso escolar e social é resultado
de características e empenho individual e a compreensão de
que tudo isto pode ser diferente levou-me a realizar este estudo, tendo
como problema de pesquisa a seguinte indagação:
Quais as repercussões de um processo pedagógico
na área da Educação Matemática que possibilita
a discussão das desigualdades e desprivilegiamento de grupos humanos,
a partir de marcadores sociais de raça ou etnia e a interseção
destes com a dinâmica de classe social?
A pesquisa empírica envolveu um total de
41 estudantes de faixa etária entre 17 e 24 anos. Deste grupo, 20
eram do sexo masculino e os demais do sexo feminino. Apenas quatro dos
integrantes deste grupo eram afro-descendentes, três moças
e um rapaz.
Durante a prática pedagógica, um amplo
conjunto de atividades foi desenvolvido, sendo, também permeada
pelo uso de diversificadas fontes de informação tais como
revistas, jornais e livros de História. Os conhecimentos matemáticos
que se fizeram presentes foram trabalhados a partir da necessidade dos
estudantes de entender a problemática em discussão, assim
como a linguagem e técnicas empregadas em ilustrações
e textos que estavam sendo, pelos alunos, examinados. Durante as atividades
desenvolvidas, a tecnologia contemporânea foi utilizada como recurso
disponível para sistematizar, descrever e interpretar o objeto de
estudo que estava sendo examinado configurando-se, portanto, como um dos
componentes do processo pedagógico. Neste contexto, a Matemática
não emergiu da lista de conteúdos da grade escolar. As ferramentas
estatísticas que vieram à cena, durante o desenvolvimento
da prática pedagógica, não foram tratadas de forma
neutra. Ao contrário, foram relativizadas e também problematizadas.
A discussão da situação social
e educacional dos afro-descendentes, quando levada para o interior da sala
de aula, não consistiu em descrever aspectos folclóricos
de sua cultura, tampouco em simplesmente apontar as condições
desfavoráveis a que estão submetidos estes grupos. Ao contrário,
a discussão buscou problematizar as possíveis causas sociais,
históricas e discursivas que posicionam estes grupos em determinados
lugares onde as diferenças são transformadas em exótico,
alheio e estranho e aspectos relativos às desigualdades sociais
são vinculados a condições individuais ou de raça.
Conclusão
As reflexões presentes neste estudo problematizaram
não somente as formas pelas quais os conhecimentos matemáticos
são tratados nos contextos escolares, mas também o papel
desempenhado pela escola no sentido de reforçar as desigualdades
sociais entre grupos, a partir daquilo que é valorizado, oferecido
e legitimado.
A prática pedagógica ofereceu aos
estudantes a possibilidade de levantar questionamentos sobre concepções,
usualmente, aceitas na Educação Matemática. Além
disso propiciou aos alunos um processo coletivo de construção
do conhecimento, no qual o respeito às concepções
divergentes foi exercitado. O processo também contribuiu para que
estes alunos realizassem uma reflexão crítica com respeito
às organizações sociais mais amplas, no sentido de
examinar como e de que maneira são construídas, pelas sociedades,
formas de convivência que posicionam diferencialmente grupos humanos.
Neste enfoque, as diferenças foram analisadas como resultado da
ação humana para manter situações de privilégio
de um grupo social sobre o outro.
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