Esta pesquisa busca conhecer a Matemática praticada e elaborada
por um determinado grupo cultural e que está intimamente ligada
ao meio sociocultural deste grupo, é denominada Etnomatemática.
Neste trabalho, o grupo pesquisado é o da Aldeia Indígena
Tapirapé que fica às margens do rio Tapirapé localizado
ao longo do nono grau de latitude sul. Nesta comunidade, foi estudada a
Matemática utilizada na construção da Takãra.
Matemática esta que aparece em temas ligados à sua cultura.
Na construção da Takãra fazemos uma relação
da Matemática utilizada pelo grupo com a Matemática acadêmica.
Desta forma, a pesquisa busca entender a realidade do grupo e transformar-se
em proposta curricular de matemática.
Palavras chaves no texto:
Takãra – Tapirapé - Construção
Introdução
Os Tapirapé são índios pertencentes à tribo
Tupi que habitam às margens do rio Tapirapé. Sendo que o
mesmo está localizado ao longo do nono grau de latitude sul.
Os Tapirapé, como também os Karajá, habitantes
da mesma região têm nas suas respectivas aldeias a casa destinada
às suas comemorações, festas, reuniões, etc.
Para os Karajá é chamada de Casa de hetohoky e para os Tapirapé
é chamada de Takãra. Essa última merece uma atenção
especial no que diz respeito à sua arquitetura.
A palavra Takãra significa casa-dos-homens, esse nome é
originado devido a sua função social ser restrita para os
homens adultos e rapazes da aldeia, o que discutiremos mais adiante. O
significado etimológico da palavra Takãra está relacionado
com ocara, do tupi antigo, que significa terreiro, praça, rua e
que por sua vez, está relacionado a oca, que significa casa.
Podemos dizer que a Takãra já foi uma casa comum para
os Tapirapé. Isso é demonstrado quando Baldus (1970) nos
coloca o processo de construção de uma das casas comum da
aldeia em 1935 e a construção da Takãra da mesma época.
A Casa Comum
Na construção da referida casa comum, os homens, durante
o dia, cortam na mata troncos grossos e finos, folhas de “banana brava”
e folha de “macaba”, assim conhecidas pelos ribeirinhos do Araguaia. Esse
é o material necessário para as vigas , varas e cobertura
da casa. Nas últimas horas da tarde levam todo o material para o
lugar da futura casa, evitando assim, que o calor do dia faça as
folhas de “bananeiras” enrolarem-se durante o transporte e os carregadores
cansarem-se mais que o necessário.
No final da tarde, aproximadamente entre 4 e 5 horas, começa
a construção da casa. As traves verticais que
ficam sustentando as vigas, formam três filas paralelas, tendo as
paralelas exteriores a mesma altura, e a central uma altura maior. Assim,
na casa comum (fig. 01), as traves medem cerca de 1,60m e as interiores
cerca de 3,80m, o que representa a média de todas as casas com exceção
a Takãra. Na casa comum, as paralelas exteriores distam da central,
cerca de 2,75m, tendo a distância entre as traves de cada paralela
(assinalado por círculos na fig. 02) 1m, 3,40m, 3,90m, 3,25m, 3,50m,
1,30m e 2,50m. Como estas medidas são iguais nas três referidas
paralelas, resultam 7 outras paralelas de traves que são perpendiculares
com aquelas e dividem a casa em quadriláteros retangulares. Essa
divisão, socialmente importante por corresponder à distribuição
dos habitantes em casas e família-pequenas, é marcada ainda,
pelas travessas que, na altura de 1,60m, formam os lados dos quadriláteros,
estando amarradas com embira quando não repousam nas forquilhas
das traves verticais exteriores (fig. 01).
Depois de assentar o vigamento, os índios fincam no solo varas
agrupadas em linha reta entre as traves verticais exteriores. A
série dos úmeros 1, 7, 10, 11, 8, 3 e 4 na fig. 02 refere-se
a estas varas que estão assinalada por pontos na planta baixa da
casa comum. As varas são amarradas com embiras na cumeeira formada
pelas travessas mais altas, e nas travessas que ligam as traves exteriores.
Nasce assim uma abóbada comprida na qual teto e parede
constituem unidade homogênea em vez de duas peças distintas.
Depois de firmar as varas fincadas, são amarradas nelas varetas
horizontais (assinaladas por círculos na fig. 01), começando
de baixo para cima até alcançar a cumeeira.
fig. 01- corte transversal
da casa comum
Feito isso, colocam numa distância de cerca de 1m uma da outra,
varetas de cerca de 1m de comprimento verticalmente no lado de fora das
vigas transversais que ligam as traves exteriores. Essas varetas são
organizadas de tal forma que ficam embaixo e meio em cima das vigas transversais,
ajustando-se a metade superior à curvatura a abóbada e destacando-se
um pouco a metade inferior. A única finalidade das varetas é
segurar, no meio da sua metade inferior e destacada, um cordel torcido
de embira que está amarrado em cada uma delas mediante um nó
e continuando estendido ao longo da casa. O cordel serve para apoiar de
baixo as folhas de “banana brava” colocadas com regularidade e cuidado
sobre o gradeamento de vara e vigas. Por último dá-se uma
ligeira curvatura para que se ajuste à abóbada
O trabalho de cobertura da casa comum é auxiliado por mulheres
jovens e pelas meninas que lhes dão as folhas daquela helicônia
levantando-as. Estas folhas são colocadas de tal maneira que cobrem
o gradeamento das vigas e varas. A cumeeira propriamente dita é
também coberta de folhas de “banana brava” colocadas ao comprido
sobre a viga horizontal mais alta. Sobre as folhas de “banana brava” põem-se
folhas verdes de "macaba" deixando suas pontas sobressair à cumeeira
para atá-la uma às outras. Isso devido a folha da palmeira
ser bastante pesada, o que impede que as folhas daquela helicônia
embaixo delas sejam derrubadas pelo vento e enroladas pelo sol.
A parte mais baixa dos lados longitudinais da casa comum é coberta
atando-se de fora folhas de "macaba" no gradeamento, pondo-as uma ao lado
da outra com os talos para cima e entrelaçando-as. Sobre elas são
colocadas folhas de “banana brava” fixadas nas varas horizontais da mesma
forma como aquelas que pendem das varas horizontais mais altas. Este modo
de cobrir costuma ser aplicado inteiramente aos dois lados menores da casa,
pois folhas postas com os talos fendidos num cordel cairiam por falta de
apoio nessas paredes verticais e sem curvaturas. Casa esta que antigamente
era feita todas as comemorações culturais da aldeia, o que
mais tarde passou a ser realizado na Takãra.
A Takãra
Já a Takãra da mesma época (1935), exige uma menção
especial, não só pela sua função, mas também
pelo aspecto que a distingue de todas as outras construções
da aldeia no que se refere ao tamanho e ao traçado da base.
Ao contrário da casa comum, a “técnica do cordel” não
é usada na cobertura da Takãra, pois a parte inferior desta
grande construção fica descoberta. A parte coberta de folhas
está assinalada por chaves na figura 03, descendo a cobertura apenas
até a altura em que um adulto possa penetrar no seu interior sem
precisar curvar-se. A parte superior é coberta como a parte superior
de outras casas e com tantas camadas quantas necessárias.
Outro aspecto que a Takãra diferencia da casa comum, é
que as traves que apoiam as vigas horizontais mais baixa não são
verticais, mas sim inclinadas e fincadas mais no interior da casa, formando
um ângulo agudo com as traves verticais e seguram também as
vigas horizontais saídas consideravelmente para fora da
cobertura (fig.14) que atravessam a Takãra em 3,25m de altura,
dividindo em 3 partes de 8m, 15m e 7,60m de comprimento (fig. 04).
O que também é diferente da casa comum é o seu traçado da base. Sendo que o traçado da Takãra é uma figura semelhante à uma elipse, e a casa comum é semelhante a uma figura quadrilátera retangular.
O processo de construção, quer o da Takãra, quer
da casa comum, são praticamente iguais, o que diferencia é
basicamente o traçado da base, a cobertura e a inclinação
como referimos anteriormente.
Depois do contato dos Tapirapé com os brancos, tanto a Takãra
como a casa comum sofreram modificações. Sendo que a casa
comum durante todo o processo foi a que mais perdeu sua identidade.
Em 1955, segundo o Padre Francisco, os Tapirapé já tinham
copiado os padrões das casas dos vizinhos sertanejos, no que diz
respeito a arquitetura, planta baixa e telhados. O que permanece, porém,
nestas habitações, é o costume de vários famílias
pequenas coabitarem uma mesma casa, e a inexistência de paredes divisórias
ou janelas, sendo que esses aspectos são conservados até
os dias atuais.
Ainda na mesma época, a Takãra era, na nova aldeia
Tapirapé, a única construção feita nos padrões
tradicionais, tanto em relação à forma como o material.
Isso é devido o mesmo só ser encontrado muito longe, não
sendo utilizado para as demais construções. Digno do seu
lugar de construção desde os primeiros registros sobre os
Tapirapé, como nos coloca Baldus (1970), a Takãra ainda hoje
é construída no centro da aldeia, onde as casas comuns são
construídas num "círculo" em volta da Takãra.
Demonstração da Construção da Takãra
A Takãra, como já colocamos anteriormente, pouco sofreu
modificações nos padrões tradicionais, a construção
permanece no centro da aldeia com as casas residenciais distribuídas
ao seu redor. Como também, todo o trabalho - desde a coleta do material
até às reuniões - tem uma organização,
sendo que a mesma parte da iniciativa do cacique e depois os chefes de
grupos de trabalho. Os chefes acima referidos sempre é uma pessoa
mais velha. Isso é devido este ter mais experiência, mais
costumes e o respeito por parte dos demais moradores da aldeia.
Para demonstrar todo o processo de construção da casa-dos-homens
vamos colocar passo a passo como é feita a demarcação
da planta baixa, as medidas, as inclinações das traves e
toda sua arquitetura, o que nos facilitará o entendimento da construção,
assim como a análise das figuras geométricas, o que será
feita mais adiante.
Na construção da Takãra a unidade de medida usada
pelos Tapirapé é o passo. Para que possamos ter um entendimento
melhor, faz-se necessário que façamos a conversão
dessa unidade de medida para a unidade de medida universal, o metro.
Sabe-se que 1000 passos duplos são equivalentes a uma milha
terrestre o que corresponde 1609 metros. Então 1 passo duplo eqüivale
a 1,60m, o que nos leva a conclusão que um passo comum eqüivale
a 0,80m.
Vejamos então, como é feita a demarcação
da base da Takãra, nas ilustrações 08, 09, 10 e 11.
Nas figuras 08, 09, 10 e 11 representamos os quatros estágios
da demarcação da área da Takãra. No primeiro
momento mede-se 10 passos (8m) de comprimento e coloca-se 02 traves, que
estão assinaladas por bolinhas, de cerca de 8 passos (6,40m) de
altura tornando-se as traves centrais; no segundo momento mede-se 2,5 passos
(2m) de cada lado no sentido perpendicular à primeira linha (linha
central), tornando-se as traves dos extremos; no terceiro momento, é
colocado uma trave de cada lado externo das duas traves centrais numa distância
de cerca de 6 passos (4,80m), formando assim a figura l0, ou melhor, uma
figura triangular; no quarto momento é feita, a olho nu, a aproximação
da figura até então formada à uma figura semelhante
à “elipse”.
Depois de fazer toda demarcação da construção
da casa-dos-homens, o próximo trabalho a ser encaminhado é
fazer toda armação da casa, o que mostraremos nas ilustrações
a seguir.
No armamento da Takãra o primeiro passo é colocar as
traves centrais (fig. 08), as dos extremos de 5 passos (4m) de comprimento
(fig. 09) e a travessa da cumeeira com 10 passos (8m) de comprimento, como
também, colocar as vigas de 3,5 passos (2,80m) de comprimento que
ficam inclinadas (ver fig. 03) e formando um ângulo agudo com
as varas de 20 passos (16m) de comprimento(fig.03).
Algumas Análises/Considerações
Nesse trabalho mostramos alguns processos matemáticos utilizados
pelos Tapirapé, tais como: construção de figuras geométricas
e noção intuitiva de força mostrando e analisando
a relação que a Matemática informal tem com a matemática
formal, explorando o campo geométrico.
A Takãra é semelhante ao formato de uma “elipse”. Para
construir essa figura os Tapirapé passam por um processo de composição
de figuras geométricas que das quais demonstram ter mais domínio.
O ponto de partida é uma reta com dois pontos distintos nos extremos.
Para que a reta adquira a semelhança de um retângulo, mede-se
2m, sendo em cada extremo da reta, no sentido perpendicular e aí
temos então uma segunda reta, e do outro lado da primeira reta é
feito o mesmo processo, formando assim um retângulo (fig. 09).
O que podemos analisar é que para construir um retângulo
existem várias maneiras. Por exemplo, os Tapirapé para construir
um retângulo apropriaram-se de um axioma conhecido, na matemática
acadêmica, de paralelismo . Podemos dizer que mesmo sem o domínio
da Matemática acadêmica, os Tapirapé utilizaram esse
pressuposto axiomático do paralelismo para construir o retângulo
inscrito na Takãra. Isso fica demonstrado no momento em que
eles medem 2m que distam da primeira reta, e que em qualquer lugar da reta
esta distância será mantida.
Já no que se refere à área da Takãra, os
Tapirapé não demonstram processo algum para calcular a área
da mesma. O tamanho da casa-dos-homens é determinado conforme a
quantidade de pessoas que freqüentam a mesma no dia-a-dia da aldeia.
Mas, mesmo não nos demonstrando processo algum, os Tapirapé
nos deixam claro que a noção de espaço ocupado por
pessoa é do domínio da comunidade. Isso é comprovado
quando um integrante da tribo nos coloca que “antigamente a Takãra
era bem maior e hoje a Takãra é pequena”, o que também
é colocado por Baldus (1970) que no início do século
na aldeia tinha em torno de 1500 índios. Esse aspecto é devido
o número de pessoas que outrora também era maior.
Outro aspecto que é analisado no presente trabalho é
a “noção de força” que os Tapirapé nos demonstraram
na construção da casa-dos-homens no que diz respeito
à arquitetura da mesma.
Para que a Takãra tenha uma abóbada sobre a sua metade
inferior perfeitamente segura, é colocado, verticalmente, traves
finas e compridas em volta de toda a casa, e depois são amarradas
na cumeeira (travessa central - ver figuras 12 e 13). Lembramos ainda que
as mesmas são forçadas a encostar à cumeeira. Mas
para que esse trabalho fique perfeito e duradouro, é colocado em
volta de toda a casa traves mais grossas e mais baixas, e sobre estas,
colocado vigas, sendo que as traves são colocadas de forma organizadas
meio que inclinadas para fora (fig.03) com o objetivo de sustentar as traves
que formam a abóbada, fazendo assim, a anulação da
força exercida por estas, essa noção de força
utilizada pelos Tapirapé, empiricamente .
Partindo desse conhecimento vamos nos delimitar em uma pequena parte
de “força”. Como as traves menores estão colocadas de uma
maneira inclinadas para fora, as mesmas têm a finalidade de uma “escora”
e exerce uma força contrária aplicada pelas traves maiores.
A essa força, trocada entre as traves maiores e as traves inclinadas
menores, dá-se o nome de força de atrito (Fat). Como as traves
permanecem em equilíbrio, podemos afirmar que a força de
atrito tem mesmo módulo que a força aplicada. O que é
denominado de atrito-estático .
As situações reais tomadas no presente trabalho foram
propícias para análise dos modelos utilizados através
da comparação com o modelos escolares. Neste caso, poder-se-ia
tomar tais situações como ponto de partida para construção
de conceitos e de modelos matemáticos requeridos na escola.
Na base destas argumentações está o reconhecimento
de que cultura e pedagogia não podem ser interpretadas de forma
abstrata, imunes às relações de poder que permeiam
no espaço de social. Mais ainda, exatamente por estarem intrinsecamente
conectadas com a luta por legitimação e dominação.
Sua relação é continuamente tensa e muitas vezes contraditória.
É neste quadro que pode ser pensados alternativas curriculares onde
a cultura dos grupos subordinados esteja centralmente presente .