O jogo de Gamão como ferramenta pedagógica.

Marco Aurélio Cury

Resumo

        Este artigo descreve uma pesquisa em etnomatemática realizada com a comunidade libanesa de São José do Rio Preto - S.P. - Brasil, que pratica o jogo gamão. Explica como os libaneses encaram pontos básicos de sua formação cultural e educacional, que estão inseridos na religião. Um povo que se incorporou à sociedade hegemônica sem perder suas tradições, ficando este fato evidente por meio desta pesquisa. A partir destes aspectos, serão sugeridos alguns caminhos para se trabalhar em sala de aula com crianças/jovens deste grupo étnico.

Palavras-chave: Etnomatemática, Libaneses e gamão.
 
Introdução

         O empenho e a responsabilidade de ensinar matemática, por parte dos professores, gera no meio acadêmico o compromisso de pensar/desenvolver novas teorias para este fim. Dentre estas, surge a etnomatemática. Apesar do curto período de tempo, pois teve seu início oficial em 1984, ela apresenta uma alternativa inovadora para o ensino de matemática.
        A partir dos conceitos sobre etnomatemática, (dentre eles o de D’ Ambrosio, 1990, p.45), procurou-se entender um pouco mais sobre as pessoas que compunham o grupo a ser pesquisado, além das formas pelas quais essas pessoas enxergam o mundo.
         Este grupo social é formado por senhores, que em sua maioria são provenientes do Líbano, ou são filhos de Libaneses. Num primeiro momento, trabalhou-se para entender a forma com que estes senhores criaram seus filhos e netos, revelando assim, sua maneira de pensar. Neste processo, as informações foram obtidas por meio de conversas, ou da participação nos jogos, tendo em vista os moldes da etnografia.
         Nas duas dinâmicas, pode-se conhecer o espírito altivo dos Libaneses, tanto por ouvir algumas histórias, quanto pelo pensamento daqueles que moram ou moraram no Líbano. Sabe-se por exemplo, que esta é uma cultura voltada para a exportação dos seus. Estudos do início dos anos 50 indicam que um grande número de pessoas tem deixado o País durante séculos. Grande parte destes imigrantes é de origem católica, primeiro por uma possível perseguição dos otomanos, (durante 400 anos), e segundo, com o passar do tempo, porque esta se tornou uma das poucas formas de subsistência para os libaneses residentes no Líbano.
         Ao fim da dominação turca em meados de 1945, que muitos descrevem como um período negro na história do Líbano, a França assumiu o controle do País, com um regime de protetorado, que durou 25 anos.
         Terminada a dominação francesa, ficaram os produtos industrializados que concorriam com o artesanato local, deixando assim muitas famílias em dificuldades. Este e outros fatores como as desavenças entre cristãos e druzos, foram pontos que fizeram aumentar a imigração dos libaneses.
        De acordo com Truzzi (1997, p. 24), serão vistos aqui os três pilares básicos dos libaneses: a religião, sua aldeia e família, sendo que as duas últimas estão inseridas na primeira.
         Berço do cristianismo, islamismo e judaísmo, a grande Síria (região que compreende Síria e Líbano), tem como fator controlador de tudo a religião, e segundo Hitti, (apud Truzzi, 1997, p. 25), "Um Sírio nasceu para sua religião, assim como um Americano nasceu para sua nacionalidade".
         O Líbano, que tem quase metade dos seus habitantes cristãos, tem sua forma peculiar de lidar com a educação, sendo esta uma responsabilidade dos pais ao longo da vida da criança. Portanto, a mãe ou um responsável fica em casa, cuidando da educação dos seus filhos. O cuidado com os filhos, além da religião, está associado à necessidade dos libaneses de obterem notabilidade social. Esta é uma constante em suas vidas, e sua expressão varia desde ter um filho já alfabetizado entrando na escola, quanto tê-lo trabalhando e obtendo reconhecimento no país em que trabalha, seja no Líbano ou no exterior.
         Quanto a sua aldeia, pode-se dizer que está intimamente ligada aos fatores citados acima, pois o comando destas se deve aos chefes religiosos ou às famílias notáveis, que são assim reconhecidas pelo seu poder econômico ou idade (duas formas distintas de se medir a notabilidade social de um grupo). O poder destas famílias chega a anular o poder político ou religioso. Dessa forma, honrar o bom nome da família, e contribuir para o aumento de suas posses fazem parte da índole deste povo.
 
 

Objetivo

        O intuito deste trabalho é desvendar alguns aspectos da cultura libanesa, acerca de suas tradições e valores, além de dar subsídios a um professor que trabalhe com crianças/jovens pertencentes a esta cultura.

Descrição do jogo Gamão (ou Mahbouci).

         Neste tópico, não faremos uma descrição detalhada de como jogar o gamão, mas sim de sua origem/historia, das formas geométricas e artísticas contidas no tabuleiro, e aspectos matemáticos que podem ser abordados com o gamão como recurso pedagógico.
        O gamão tem idade estimada de 5000 anos. Sua origem é egípcia, mas a sua propagação se deve aos Turcos. A invasão da Europa, Oriente Médio e Norte da África, pelos turcos, proporcionou a difusão deste jogo para além da Turquia, e esta difusão se deu também por meio de imigrações.
         Quanto ao gamão no Líbano, é geralmente jogado nas casas das famílias, além de casas de chá e café, onde também se fuma narguile . É um jogo de raciocínio, portanto confere prestígio aos jogadores, por isso chega a envolver apostas altíssimas.
        O objetivo deste jogo é fazer com que as suas quinze peças cheguem às casas de saída (de número 1 a 6 no tabuleiro) do adversário, e “comê-las” antes que o outro o faça. Cada partida vale um ponto, de um total de cinco. Se um dos jogadores “comer” todas as suas peças antes que o outro “coma” pelo menos uma, então se ganha dois pontos. Este tabuleiro tem como “casas”, triângulos isósceles pintados em duas cores diferentes, podendo estas, serem cores quaisquer, totalizando 24 triângulos. Normalmente os tabuleiros de gamão encontrados no Líbano são decorados com ricos trabalhos em marchetaria. Utiliza-se neste jogo também, um par de dados.
        É um jogo que desenvolve o respeito entre os participantes, passando pela rapidez de pensamento, tanto pela simetria do tabuleiro que tem os triângulos opostos em cores diferentes (duas como citado acima), o que torna a contagem mais rápida, quanto pela finalização do jogo, pois para que cada partida termine é necessário completar um total de 5 pontos. A formação de estratégias é um outro tópico em desenvolvimento neste jogo, pois se tem que caminhar pelo tabuleiro de forma a não adiantar muito suas peças, (no caso de ter alguma presa) ou, ao contrário, segurar demais, trabalhando assim a lógica com as funções se, e então. Estas também são trabalhadas nos movimentos das peças, para seguir suas regras, e realizar os movimentos de maneira adequada às necessidades dos jogadores.
        No movimento das peças utilizam - se as formas mais elementares de operações. A adição para se andar uma peça com os valores dos dois dados, a subtração enquanto se comem as peças do tabuleiro, a multiplicação quando são tirados valores repetidos nos dados, e a divisão relativa a este mesmo processo (Quantas peças pode-se mover com 4 x 5 = 20 pontos?).

Conclusão

         Por meio dos resultados obtidos com a pesquisa etnográfica, pode-se notar que o gamão serve como uma boa ferramenta de auxílio no ensino deste grupo social, pois é uma forma pela qual as crianças podem começar a obter notabilidade. Uma vez que, além de promover prestigio para os jogadores, é um jogo que tem boa aceitação nas casas libanesas por ser ensinado de geração para geração.
         Portanto, trabalha - se com os três pontos bases da formação dos libaneses, a família, a religião (que é representada aqui pelo fato dos pais tomarem conta da aprendizagem dos seus), e sua aldeia, (que aqui está representada pelo meio social em que a criança está inserida).
         Além disso, o jogo de gamão pode se constituir num material de apoio para o ensino de matemática, tanto no que concerne à matemática elementar, como as operações básicas de soma, subtração, multiplicação e divisão, quanto para uma matemática mais sofisticada como formas geométricas, lógica e simetrias.
         Vale salientar, que segundo o programa de etnomatemática e o aspecto das crianças libanesas já entrarem alfabetizadas nas escolas, os professores tem que saber respeitar estas características, serem solidários para com estas crianças e cooperar para que possam se desenvolver da melhor maneira possível.
         Desta forma, a pesquisa em etnomatemática contribui para que as culturas específicas, ou o que sobrou delas, continuem a formar a cultura brasileira na qual se inserem os libaneses e seus descendentes, abrindo novos campos para diálogos entre as diferentes interpretações da realidade.
 
 
 
 
 
 
 

Bibliografia

BARTON, B.,  Making Sense of Ethnomathematics: Ethnomathematics is Making Sense, In:  Educational Studies in Mathematics,  Nos 1-2,  Vol 31,  Kluwer Academic Publishers,  1996

D’AMBROSIO, U.  Etnomatemática,  São Paulo: Ed. Ática,  1990.  88pag.

MAHFOUZ, Dom J. O L.M.,  Os Maronitas,  Ed. Universidade Paulista-Unip-Objetivo,  São    Paulo,  1997.

PEIRANO, M.,  A favor da Etnografia,  Ed. Relume Dumará,  Rio de Janeiro,  1995.

TRUZZI, O M. S.,  Patrícios, Sírios e Libaneses em São Paulo,  Ed. Hucitec,  São Paulo,  1997

FERREIRA, E. S.  Etnomatemática,  IMECC – UNICAMP,  Campinas,  S.P.  Brasil.