Matemática e o capital:
globalização e industrialização

 



    A nossa proposta com o tema é iniciar uma discussão da matemática crítica, tendo em vista as poucas pesquisas realizadas nesse sentido no Brasil.
    O alvo de nossos estudos é caracterizar o grupo étnico dominante manipulador da linguagem matemática, "dita culta", que se identifica ideologicamente com o capital. Por outro lado, identificar a linguagem matemática presente no dia a dia, que a população, embora necessite utilizar, não domina com desprendimento.

Autores:
Manoel L. C. Teixeira (responsável pela apresentação)
Suely da Silva Rodrigues

Resumo:
 
    Neste trabalho, procuramos mostrar as interfaces entre a Matemática, a Sociologia e a Antropologia e esclarecer as relações que a Matemática tem com os sistemas de poder, o comércio e a vida pessoal de cada cidadão, procurando fortalecer a participação democrática deste na sociedade. O fato de o pesquisador estar consciente dessa situação é determinante para a modificação ou não dos aspectos da globalização e da industrialização, podendo, então, contribuir para mudanças de posição frente ao estado da Matemática na atualidade.
 
Palavras-chave: capital, globalização e industrialização.

Introdução

"Crediário mais fácil e barato"

    O título acima se refere à reportagem do JB, de 12.07.00, Caderno Economia, que veicula matéria a respeito da queda dos juros.
    A projeção dos juros pagos por uma TV colorida 14', com controle remoto (hoje), revela os seguintes valores:
    Preço da televisão à vista - R$ 309,00.
    Juros atuais de 6% ao mês, se a compra for a prazo.
    Pagamento em 12 prestações, sendo a 1ª no ato da compra:
     12 x R$ 34, 77 = R$ 417,24
    Juros cobrados R$ 108,24

    Projeção de juros no segundo semestre 4% ao mês.
    Pagamento em 12 prestações, sendo a 1ª no ato da compra:
     12 x R$ 31,66 = R$ 379,92
    Gasto total com juros R$ 70,92
 
    Economia feita se a compra for feita no segundo semestre R$ 37,32.

    O índice da bolsa de S. Paulo de foi + 1.5, no fechamento do pregão. Os juros anuais cobrados pelo cheque especial de determinados bancos chegam à taxa de 187% ao ano.
    Em uma loja de eletrodomésticos, o freguês comenta com outro, com muita propriedade: "Os juros que eles cobram não é o simples, é o composto!". Mensalmente, os juros pagos são embutidos no mês anterior, virando uma "bola de neve".
    As prestações da casa própria, calculadas pelos sistemas financeiros, chegam a um ponto em que o mutuário deve sempre mais do o que já pagou.
    Na economia se estabelecem as relações de poder entre os que têm dinheiro, o capital, e aqueles que vivem em situações intermediárias. A classe média, a classe popular, a classe baixa e o lupem, ou seja, os miseráveis.
    Há quem não concorde com essa classificação social, mas não há como deixar de admitir que a presença da Matemática, seja com juros simples, seja com compostos, estimativas, estatística, classificação ou outros, está presente nesse mundo que rege as relações sociais.
    A Matemática é um modelo para o capital ou para a natureza?
    Essa pergunta se impõe como preocupação quando abordamos o tema Matemática e o capital: globalização e industrialização.
    A inserção da matemática em outras áreas do conhecimento, como economia, sociologia e outras, nos permite apresentá-la segundo uma abordagem na perspectiva da filosofia da ciência, considerando seu arcabouço teórico como construção da civilização, por isso mesmo inserida em todos os acontecimentos que marcaram a transformação de teorias antes consideradas verdadeiras, mas hoje obsoletas. Em alguns casos, essas verdades, transformadas, mostram o quanto a Matemática faz parte da vida cotidiana das pessoas, sua utilização na indústria, como objeto às vezes de obtenção de mais lucros.
    Nossa posição neste trabalho será a de que essa ciência não é neutra, pois diz respeito também ao que se passa na sociedade com suas relações de classe, na Antropologia e nos diversos segmentos que, de certa forma, interagem com o conhecimento matemático em todos os períodos históricos da humanidade.

Objetivos

    Mostrar como a linguagem matemática, com o seu poder de pensamento, traduzido em fórmulas, esquemas, estruturas, e mais abrangente em seus temas de pesquisas, pode ser manipulada para favorecer àqueles que detêm seu conhecimento, em detrimento daqueles que não o possuem e muito menos o compreendem. Não é mera coincidência o fato de os que não compreendem a Matemática fazerem parte das classes mais pobres da nossa sociedade. Com a globalização, esse fenômeno torna-se avassalador, a ponto da população mundial ser agora vista como mera consumidora, sendo induzida a comprar motivada por preços aparentemente baixos, mas que, na verdade, escondem juros sobre juros.
    Os lucros das grandes empresas provém, por vezes, da exploração do trabalho das populações marginalizadas. Sabemos da situação de muitos países, principalmente do sudeste asiático, onde os trabalhadores recebem centavos para produzir milhões. É o efeito da globalização!
    Quando nos referimos a objetivos, falamos de uma verdade, aquela que esperamos provar em nosso trabalho. Para nós, essa verdade não existe, na medida em que as premissas das quais partimos e as conclusões a que chegaremos serão, no decorrer do processo, mediadas por outros acontecimentos, como por exemplo os de ordem efetiva, emocional, cognitiva e a visão do pesquisador como ser social.
    Não é novidade que a Matemática não se interesse por essa outra parte. Nós, porém, a consideraremos e trataremos dela em nossa pesquisa. A educação matemática deve levar em conta esses dois métodos nas suas pesquisas no momento de criar os seus instrumentos de defesa teórica, vendo na educação uma das vias para a mudança de estados primitivos de sociedade atual.
    Colocamo-nos em favor de meias verdades, as verdades passageiras, aquelas que vão e vêm, como no jogo da onda e da praia. Sempre à espera de uma onda nova, fica a praia linda a lhe esperar.

Desenvolvimento do tema

    A necessidade de abordar a matemática nos contextos social, cultural e histórico nos faz propor questões que dizem respeito à neutralidade científica, a verdades absolutas, à inconsistência de uma teoria. Essas últimas dizem respeito ao campo científico matemático, e qualquer estudo desses tópicos nos remete, inevitavelmente, à filosofia da ciência. Se quisermos vincular a matemática a outros contextos de estudos, como os citados, teremos que nos reportar ao campo científico da educação matemática.
    Durante séculos, a matemática que se ensinava nas escolas coincidia com a matemática feita pelos cientistas. A rigidez na cobrança de uma demonstração e o uso do método axiomático estabelecem até hoje o que se pode ou não fazer em matemática. Os conteúdos como razão áurea e extração de raízes quadradas de números não quadrados são apenas alguns exemplos de como a Matemática inicia sua mudança de transposição da sala de aula para a pesquisa.
    As reformas no ensino de matemática dão início a essa situação. A criação da teoria dos conjuntos e a algebrização proposta pelo grupo Bourbaki, na década de sessenta, nos dão uma idéia de que a matemática feita pelos cientistas e a matemática das escolas não podiam ser as mesma. A modificação se impunha. Tal ruptura foi iniciada em maio de 1968, quando, em várias partes do planeta, foram reivindicadas transformações profundas nos sistemas de ensino.
    No início do século passado, significativas transformações ocorreram nos fundamentos da matemática com os trabalhos de Cantor, Frege e Russel. Nesse mesmo tempo, iniciou-se a revolução industrial. A Matemática criando infra-estrutura de sustentação da indústria nascente. No início do próximo século, acreditamos que provocaremos, como no passado, transformações profundas nos fundamentos da matemática, mas com uma diferença. Em vez da contrapartida da industrialização, ocorrerão mudanças no ensino da matemática, e não será esta que promoverá tal ruptura.
    A educação matemática terá, então, como tarefa principal assumir essa responsabilidade, pois assim as estruturas do desenvolvimento serão criadas em outras bases. Educadores matemáticos sensíveis à situação social do planeta terão que desenvolver estudos nesse sentido. Parece ser irremediável esse momento de mudanças.
    Nossa indignação aumenta a cada dia diante das formas de globalização, de miséria em toda esquina e marquises, de exclusão social paga em alto preço. Os juros extorsivos são ditados por agiotas. Crianças e adolescentes se tornam cada vez mais individualistas, consumistas e estressados, refletindo uma educação reprodutora das artimanhas de teses globalizantes.

Conclusão:

    Quando contrapomos a Matemática e a educação matemática, questões que dizem respeito à consciência, ao esclarecimento do fazer científico na sua abordagem ideológica e à posição política da condição do pesquisador são algumas das condições pessoais que atravessam o nosso mundo de sonhos e frustações. Tornar essas realidades e sonhos uma leitura transparente do que se deseja realizar em sua profissão e em outras situações do cotidiano parece ser o caminho mais interessante para se chegar ao que podemos chamar de relação parte /todo na consciência. Apesar de darmos um tratamento pessoal e impessoal às nossas pesquisas transformadas em narrativas, o que não é muito aceito nos meios acadêmicos, exercemos o que podemos denominar pensamento e linguagem associados à relação da parte com o todo. Isso se configura com o viés de considerar no mesmo texto a sua experiência pessoal, a ser mediada pelo outro, em um relação pessoal com o outro, com muitos ou, de maneira mais complexa, o singular alternando sua abordagem com o todo.
    A sociedade e o indivíduo, a sociedade e a família, a cultura e o povo, o vazio e o universo, o finito e o infinito são instâncias das relações que se estabelecem entre a(s) parte(s) e o todo; são as duplas que merecem ser trabalhadas com mais profundidade e que fazem parte dos nossos projetos de pesquisa que ora apresentamos em pequeno esboço.
 

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