7. OBJETIVOS:
A investigação que agora apresento
tem por objetivo o estudo das espacialidades construídas por populações
que vivem em situações urbanas com características
de fluvialidade devido à proximidade que mantém com o rio.
Busco compreender os modos como essas populações se organizam
espaço-socialmente. Estarei me ocupando com o estudo de relações
sociais e espacialidades, bem como de relações que essas
populações estabelecem com o rio.
8. DESENVOLVIMENTO DO TEMA:
Nesse estudo, estou pensando a estrutura urbana
e as relações espaciais como se construindo mutualmente.
Em laranjal do Jari, tal construção é mediada pelo
rio e por relações que com ele a população
estabelece. Assim, o rio está sendo estudado como referencial espacial
privilegiado e também como referencial temporal, a exemplo da população
local. Isto é, o rio como um marcador espaço-temporal local.
O rio é também o mote da mobilidade e da temporalidade que
estabelecem a complexidade da teia da estrutura urbana e das relações
sociais, enfim da teia das culturas locais. A fluidez do rio aparece aqui
como representação das mudanças espaciais e temporais
da estrutura urbana e das relações sociais. Laranjal do Jari
é uma cidade na qual a SOBRE-VIVÊNCIA se dá no rio:
é no (sobre) o rio que se mora e se vive, é sobre o rio que
se estabelece o lugar para se viver. É essa teia complexa de relações
sociais e de estrutura urbana que busco compreender. Tal compreensão
passa, necessariamente, pelo estudos dos modos de vida local, que se configuram,
em Laranjal, em se morar sobre o rio e se viver sobre ele. A estrutura
urbana se concretiza em um emaranhado de madeira no qual casas, “ruas”,
igrejas e comércio sobre palafitas se “atrepam”, aproximando vidas
que transitam apertadas em passarelas. É nesse lugar, um emaranhado
de madeiras e vidas, marcados pela proximidade física e simbólica
que as relações sociais são construídas. É
assim que também as espacialidades são construídas.
Os modos de vida da população local
são estudados com vistas a se buscar compreender, usando as palavras
de Brandão (1983, p. 106), “aquilo que de tanto ser um modo de vida
acaba sendo o seu modo de ser. Valores éticos, valores morais que,
ao afirmarem como deve ser em uma sociedade, dentro de uma categoria ou
de um de seus grupos sociais, prescrevem o que se é, ao se ser dele”.
A estrutura urbana de Laranjal é marcada
por seu caráter fluvial: suas “ruas” são, na verdade, “caminhos
sobre palafitas”, denominados pelos moradores de pontes, passarelas ou
trapichos; suas casas, igrejas, comércio e escolas, também
construídos sobre palafitas, são muito próximos uns
dos outros, interconectados por passarelas que formam verdadeiros emaranhados.
A localização espacial é bastante diferente daquela
vivenciada em localidades nas quais a estrutura urbana é cartesiana,
ou mantém uma certa linearidade, com perpendicularidade e paralelismo
na constituição de ruas, quadras e quarteirões.
As passarelas se constituem, em muitos trechos,
de nada mais que uma ou duas tábuas soltas, sobre as quais há
que se passar, se se deseja continuar adiante. Não há qualquer
apoio para as mãos que possa inspirar confiança ou estabilidade
na travessia. O trânsito, ao longo das regiões de alagado
e de beira, é praticamente restrito ao uso das passarelas. Existe
uma Passarela Principal, ou Trapichão ou Ponte Principal, que corta,
no sentido longitudinal, praticamente toda a beira. Essa via tem uma largura,
em média, nos trechos mais centrais, de aproximadamente um metro
e meio, mas em vários pontos ocorrem descontinuidades: são
tábuas soltas, quebradas ou simplesmente ausentes. Essa largura
pode ser reduzida para uns dez a vinte centímetros. Além
disso, existe um movimento lateral do trapichão, combinado com um
movimento longitudinal, que contribuem muito para desestabilizar os passos.
As casas, palafitas, são muito diversificadas
quanto ao tamanho, estrutura e comodidade. É comum se ver famílias
muito numerosas, ou até mesmo várias famílias, vivendo
numa mesma casa pequena, como um ou dois cômodos. O número
de crianças é muito elevado, assim como a quantidade de adolescentes
de cerca de treze a dezessete anos grávidas, ou embalando seus filhos.
É também comum, entretanto, a presença de casas bem
amplas e estruturadas. Mesmo sobre palafitas, não é raro
encontrar casas com grande conforto interno, equipadas como aparelhos elétricos
e eletrônicos, como televisores em cores, condicionadores de ar,
forno microondas entre outros.
Sob as casas e pontes, há um acúmulo
de lixo que fica boiando nas águas, ou apoiado no fundo do rio.
Em alguns pontos, não é possível visualizar as águas:
é um rio de lixo. Isso é ainda mais forte nas regiões
alagadas, nas quais a água fica praticamente parada. A natureza
do lixo é a mais diversa possível: desde carcaça de
animais até móveis e colchões, passando por plásticos,
vidros e papéis. Nos locais em que a água abaixou mais o
seu nível, o lixo é ainda mais visível e o mal cheiro
aparece mais intensamente. Alguns moradores contam que no período
da seca –no verão, de agosto a janeiro- o mal cheiro é muito
grande. Além disso, todo o esgoto doméstico é despejado
diretamente nas águas do rio e dos lagos, inclusive o esgoto sanitário.
A água do rio é usada para o banho,
para lavar as roupas e os utensílios de cozinha. Algumas vezes,
essas águas servem também para se beber e para se cozinhar.
É comum encontrar pessoas retirando água do rio utilizando
galões, latas ou panelas. As crianças brincam em suas águas
e essa parece constituir-se na brincadeira preferencial dos pequenos moradores
do local.
A relação que os habitantes, sobretudo
aqueles que vivem nas regiões mais populosas mantém com o
rio, parece ser muito contraditória: o retirar e o depositar, o
limpar-se e o sujar... também, o prazer do lazer no rio e o medo
do perigo que suas águas podem representar; o amor pela abundância
de água que traz a vida e desespero provocado pela água grande
–é como a população local se refere à enchente-
que invade e destrói.
Laranjal do Jari é uma cidade de contrastes.
Ela é ambivalência, é complexidade... é a terceira
margem. É esse lugar que se define entre as duas margens do rio
Jari. É ali que a cidade se construiu e depois, só depois,
tomou conta de outras paragens, da margem “de cá”. Laranjal nasceu
como antítese da outra margem, do “lado de lá”. Sobre-viver
no rio Jari é conviver com o rio e a cheia, com a água por
abundância e a água grande, com a água na qual se lava
e a qual se suja.
9. CONCLUSÃO:
A investigação ainda está em
processo, portanto não cabem aqui conclusões. Prefiro, no
entanto, pensar agora em termos de perspectivas de investigações
que esta investigação inicial apresenta.
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