O re-conhecimento do saber “etno” e a sala de aula do educando adulto.


 Regina Célia Santiago do Amaral Carvalho
 Grupos de educadores e educandos na educação popular

RESUMO :

    O propósito deste trabalho é o de apresentar alguns resultados obtidos em diferentes momentos e, em diferentes salas de aula de jovens e adultos, nas quais a atenção do professor/pesquisador focalizou a natureza do conhecimento matemático que os alunos/as desenvolvem; bem como os processos que os alunos/as usam para “transformar” e “refinar” tal conhecimento.       Assim, a partir dos princípios que serão explicitados neste relato, apresentarei  também as discussões nas quais os alunos/as revelam seus modos/modelos pré-construídos e desenvolvem, no âmbito do diálogo aluno - professor, novas maneiras significativas de lidar com as relações matemáticas.

PALAVRAS CHAVE:

Maneiras de entender, Estilos de explicar, Consciência, Diálogo transformador

INTRODUÇÃO:

“O  ato de aprender a ler e a escrever
começa a partir de uma compreensão
abrangente do ato de ler o mundo,
coisa que os seres humanos fazem antes
de ler a palavra.”
Paulo Freire

    Uma importante função da educação é, a de preparar cada cidadão para uma participação responsável neste planeta. A tendência de isolar aspectos da realidade ,para compreendê-la melhor, não é mais a prática defendida em nossos dias. No mundo pós moderno, culturas e etnias desconhecidas entre si tornaram-se próximas. A abordagem adequada ao momento atual é aquela que envolve todas as áreas do conhecimento, para a análise do mesmo problema. Essa abordagem denominada holística ou transdisciplinar, caracteriza –se por científica e cultural. Diz respeito ao cruzamento de todas as disciplinas e ao encontro além de qualquer uma delas. Trata –se de uma reconciliação entre o homem exterior e interior, uma busca que nos conduz a uma nova atitude espiritual, intelectual e social. A visão holística evita a dicotomia teoria-prática, subjetivo-objetivo, individual-social, psicológico-sociológico, espiritual-corporal.
    Nas palavras de D’Ambrósio vemos, refletido o significado disso: :“etnomatemática é uma proposta política, embebida de ética, focalizada na recuperação da dignidade cultural do ser humano,” e ainda: “já é tempo de parar de fazer:

    Os conhecimentos matemáticos não podem estar fechados no seu universo inteiramente imaginário, organizados de forma rigorosa e lógica, mas, precisam levar em conta sobretudo o ambiente cultural, social e político do nosso aluno
    O conhecimento nasce da ação e ninguém é vazio dele. O Conhecer é uma aventura pessoal impossível de ser transferida de uma pessoa para outra.
    Nesse ato de educar e, mais precisamente, neste contexto do educador matemático, é importante que, a cada momento, deixemos  de ser professores de matemática com uma visão de ensino passivo, estanque e, demasiadamente teórico.

OBJETIVOS

    O papel que se reserva à educação, no cenário da modernidade é, essencialmente dinâmico e consiste em favorecer nos alunos à capacidade de “aprender a aprender” A atitude construtiva, critica e criativa que é própria do “aprender a aprender” substitui a percepção do aluno como objeto passivo de aprendizagem pela concepção do aluno como sujeito histórico
    A pesquisa como princípio educativo exige  que se desenvolva na criança, no jovem e, no adulto, a capacidade de questionamento, a curiosidade, a busca criativa da solução para os problemas do cotidiano. O homem educado deve desenvolver uma atitude de investigação e ter como meta o compromisso de:


 
 
 
 

DESENVOLVIMENTO DO TEMA

“O papel do educador não é propriamente falar ao educando, sobre sua visão de mundo ou lhe impor esta visão, mas dialogar com ele sobre sua visão e a dele. Sua tarefa não é falar , dissertar, mas problematizar a realidade concreta do educando, problematizando-se ao mesmo tempo”
 Paulo Freire

    Acredita-se que, quando se trabalha com a matemática no ensino e num ambiente de alunos adultos, o objetivo principal é trabalhar com a realidade que o cerca. Isso proporciona uma substancial melhoria na condução do processo educativo.
    Possibilitar o desvelar dessa realidade, não como externa a sala de aula, mas como conteúdo que permanece vivo conhecido e articulado, pressupõe uma metodologia de trabalho que acredita no crescimento do indivíduo no grupo, na discussão, na problematização, na pergunta, no conflito, na participação e na disponibilidade, como forma de apropriação, construção e reconstrução do saber.
    O diálogo educador-educando e, objeto do conhecimento foi um dos pontos significativos no trabalho de educação popular. Para  que esse diálogo realmente se efetivasse, o educador desenvolveu um trabalho onde o  que é conhecido do educando se transforma em palavras geradoras, que possibilite a participação de todos.
    O caminho do educador, nesse modo de olhar, é de reconhecer nos educandos, pessoas possuidoras de conhecimentos latentes e capazes, o suficiente de aprender mais e, melhor, numa relação dialógica
    As pessoas são sujeito e não objeto nesse processo. Elas realizaram esforço de aprendizagem para construir o seu  próprio saber, estimuladas sempre por outros, mas de acordo com o que já sabem, porque o conhecimento é social.
    As pessoas não conhecem tudo de modo igual e, é isto, que as torna diferentes umas das outras. Essa diferença, não representa nenhuma superioridade uma vez que sempre será possível conhecer mais e, melhor, quaisquer objeto do conhecimento
    O encaminhamento dessa proposta de educação matemática teve por princípio, considerar para o trabalhador/a aluno/a, o cálculo mental que é parte do  conhecimento inerente ao seu cotidiano, como instrumento e como linguagem matemática, na interação viva do cidadão.
    O trabalhador/a aluno/a na maioria das vezes, decompõe os valores de cada preço e, mentalmente, não projeta a imagem desenhada dos cálculos. Isso porque desconhece  a escrita convencional, mas, resolve problemas ou cálculos com maior destreza, na maioria das vezes, que os adultos  alfabetizados
    Eles têm raciocínio, prática e o que não lhes é familiar, é a apropriação da escrita. Falta também a conscientização de que isso é matemática, ou melhor, o reconhecimento por parte da sociedade/escola deste processo mental, como produção matemática estrutural e lógica do saber. A escola pode contribuir para a transformação desse “olhar”.
Quando não ensinamos algoritmos aos educandos e, em vez disso, o encorajamos a pensar e reinventar procedimentos de cálculos, seu raciocínio segue um caminho diferente daquele dos algoritmos convencionais.
    Reconhecer que, é mais importante, valorizar os recursos de cálculo que os educandos já possuem, favorecendo a compreensão, ao invés de se prender a expectativa de uma classe dominante que só reconhece o produto acabado da matemática como aquele que deve ser treinado e fixado.
    Ao longo da história todas as sociedades foram se modificando com o surgimento de novos meios de comunicação, de novas tecnologias e de novos modelos de produção e por vários outros fatores. Mas é importante notar que, nenhum dos novos meios, eliminou os demais nem os anteriores. Houve, sim, uma combinação de tecnologia. Mas sempre houve, por parte da escola, uma grande resistência à incorporação de novos meios.
    O desabrochar dos trabalhos , tem em cada circunstâncias momentos curiosos de investigação.
    A participação nas discussões foi num crescendo. Desde o começo, algumas pessoas mostravam facilidades para dizer suas idéias e sentimentos. Os mais tímidos começavam dizendo apenas o que tinham mais segurança, num primeiro momento.
    Os educadores tomavam como ponto de partida a realidade vivida pelo educando, usavam a discussão como instrumento pedagógico, consideravam o educando como alguém que tem um saber, traziam o conteúdo a ser estudado através de um código significativo para o educando, enfatizavam o pensar e o criar como elementos do processo de conhecer, buscavam o conhecimento para melhor intervir na realidade.
    As falas dos educadores como justificativa dessa postura, também se faz presente :
“sem a participação ativa do aluno não há ensino”,
“a gente aprende muito enquanto ensina”,
“tudo ficou diferente quando passei a ouvir, com atenção, as perguntas dos alunos”
    A preocupação dos educadores em refletir sobre o fazer espontâneo de modo a favorecer a apropriação do conhecimento     O estágio de cada um, no processo de apropriação da escrita e da linguagem matemática individual e própria.
    Há espaço para seguir o próprio caminho, o aluno estará se valorizando e se reconhecendo como ser que pensa, reflete, descobre e aprende com os companheiros, no coletivo da classe

CONCLUSÃO

    Reconhece-se nesse trabalho a preocupação de características,  como o diálogo - o incentivo a autonomia do educando - a ação do professor em considerar a relevância das experiências prévias que o educando traz
    O professor é o mediador do conhecimento empírico do educando e do conhecimento matemático, enquanto ciência. A mediação entre esses conhecimentos poderá ser efetuada mediante experiência vivenciada pelo educando. Esse, na busca de soluções, terá oportunidade de levantar hipóteses, discutir, refletir, criar instrumentos para solucionar os problemas, explorar o raciocínio, e a capacidade de formular  novos problemas, enfim, de reorganizar sua autonomia intelectual.
    O diálogo, mais que um instrumento do educador, é um exigência da natureza humana.
    O diálogo também é entendido como encontro das pessoas. É aprendizagem conceitual, portanto, o seu sucesso está ligado à capacidade do educando  em estabelecer relações com o que aprende. O motor que o ativa é a capacidade de pensar dos educandos e não a memorização mecânica das escritas sem significado.
    A potencialidade em reconhecer as diferenças culturais, no processo ensino- aprendizagem, é a maneira em recuperar/investigar como o “outro” compreende.
    “A linguagem não é estática. Há uma integração entre gesto, palavra e realidade.
Paulo Freire

BIBLIOGRAFIA

D’AMBROSIO, Ubiratan. Etnomatemática. Ática . São Paulo 1990
D’AMBROSIO, Ubiratan. Transdisciplinaridade. Palas Athena. São Paulo. 1997
CREMA, R. Introdução à visão holística. Summus editorial São Paulo. 1998
FREIRE, Paulo; Macedo. Donaldo. Alfabetização –Leitura do mundo, leitura da
       palavra. Editora Paz e Terra. São Paulo. 1990
 
 
 
 
 

Regina Célia Santiago do Amaral Carvalho