Nesse trabalho abordaremos
aspectos culturais mediante a tradição (turãth) do
povo árabe, presentes nas obras de Malba Tahan.
Malba Tahan divulgou e enalteceu
a cultura e os valores árabes em seus contos, em sua postura de
professor e em seu próprio pseudônimo.
A cultura, a matemática
e a importância do povo árabe ganha vida nas obras de Malba
Tahan e revela seus aspectos desmistificadores.
Palavras-Chaves Malba Tahan, Cultura Árabe e Matemática.
Introdução
Objetivos
O intuito desse trabalho é encaminhar uma série de reflexões acerca dos valores e das tradições da cultura árabe abordadas por Malba Tahan e levantar algumas de suas idéias sobre matemática.
Desenvolvimento do Tema
Mohammed Abed al-Jabri, elabora
uma concepção da relação tradição-modernidade,
a partir do que ele entende por tradição (turãth).
Para ele “ o turãth não é apenas uma “coleção
de rastros do passado”, mas antes um todo cultural que compreende “uma
fé’, uma lei, uma língua, uma literatura, uma razão,
uma mentalidade, um apego ao passado, uma projeção para o
futuro etc.” O turãth não é a herança de um
pai morto para o filho, mas sim um pai presente, vivo no filho. Desse modo,
al-Jabri (1999, p.13), rejeita o “fundamentalismo (salafiyya), que se propõe
reconstituir o presente a partir do modelo do passado e o “liberalismo”
árabe, que reivindica o presente europeu, relegando o passado “sem
dele ter-se realmente libertado.”
Seguindo essa trilha, vemos
que a tradição para o povo árabe retrata sua própria
vida, sua existência. O “todo cultural” abordado por al-Jabri mostra-se
como a essência da sobrevivência, da subsistência e da
transcendência desse povo. Nesse caminho, podemos ter nossa própria
leitura da tradição e da cultura árabe. Uma leitura
que dignifica, legitima, afirma e propaga as contribuições
do povo árabe sobre sua própria cultura e sobre matemática.
Trazer o mundo árabe para o contexto da etnomatemática e
da Educação Matemática já é algo que
inicia uma nova leitura e eleva o “todo cultural” desse povo.
Malba Tahan enalteceu e divulgou a cultura árabe através
de suas obras, ora nos contos árabes de tradição oral,
ora nas viagens de Beremiz Samir e nas suas concepções de
matemática no livro O Homem que Calculava, ora no nome que escolheu
para se consagrar como escritor, ora como professor Mello e Souza.
No livro Os Melhores Contos
há uma parte final escrita por Paulo Mansur , dedicada a figura
de Malba Tahan que afirma que “nos seus livros, verdadeiros relicários,
repletos de jóias lindíssimas, ele tem mostrado sempre um
amor imenso pela graça oriental, consagrando em páginas de
beleza imortal todas as virtudes dos povos de raça árabe,
ressaltando a sua lealdade a sua bondade, sua gratidão e o seu heroísmo.”
Malba Tahan aborda, em suas
obras, a religião e a moral cristã, as formas narrativas
dos contos, as leis, as artes, a matemática, a política,
os significados e valores próprios da cultura árabe. Vejamos
alguns exemplos que aparecem nas seguintes obras de Malba Tahan.
Na obra Lendas do Céu
e da Terra, é marcante a abordagem religiosa (islâmica) e
de moral cristã feita por Malba Tahan. Sobre religião Tahan
(1964, p.106) escreveu que “todos os homens são religiosos, e sempre
o foram em todos os tempos. Este é um dos fenômenos mais extraordinários
da História. A religião pertence aos grandes patrimônios
universais da humanidade, como a inteligência e a vontade, a linguagem,
os costumes, etc.”
Tahan (1964, p.7-8), afirma
ao leitor que “grande sempre é a responsabilidade de quem escreve!
Mas se é religioso o livro que atira às multidões,
essa responsabilidade assume proporções quase infinitas.
Semear idéias religiosas é dirigir consciências. E
dirigir consciências é orientar o homem nos problemas do seu
destino, cuja incógnita se resolve na tremenda alternativa de duas
eternidades, uma infinitamente feliz, outra infinitamente desventurada.”
Sobre a moral Cristã, Tahan destaca algumas virtudes e escreve sobre
pureza, fé e obras, amizade, obediência e humildade.
Na cultura árabe
o camelo é de grande importância para a vida nas regiões
desertas. Na obra Salim, O Mágico, Malba Tahan se refere várias
vezes ao camelo e acaba escrevendo um capítulo sobre o camelo na
vida e na lenda. Tahan (1999, p.305), afirma que “sem o precioso e inestimável
auxílio do camelo, a vida na Península Arábica não
seria possível; Meca, o santuário da Fé, inacessível
para os peregrinos, ficaria esquecida, para além dos desertos, lá
no fundo do Hedjaz; o Sudão, com suas riquezas, permaneceria, durante
oito séculos, totalmente desconhecido, e todas as maravilhas do
Saara, e das terras da Mongólia, ignoradas no rolar do tempo. Os
árabes reconhecem tudo isso e, por tal motivo, honram e dignificam
o camelo.”
Na obra O Homem que Calculava,
o famoso problemas dos 35 camelos além de apresentar cálculos
aritméticos e surpreendentes aplicações matemáticas,
apresenta o camelo como o “objeto” valioso para a partilha de uma herança
entre três irmãos.
Na obra Mil Histórias
Sem Fim, Humberto Campos (1963, p.11) afirma que, “as histórias
em séries, isto é, os contos que terminam com a “deixa” para
outro e que formam, assim, uma interessante cadeia de narrativas variadas
e unidas, constituem o mais rico e duradouro patrimônio das literaturas
orientais.” Segundo Meidane (1997, p.68), “apesar de ter, em mais de uma
oportunidade, declarado seu franco entusiasmo pelas histórias, Malba
Tahan já era Malba Tahan quando o fez. Mas
é o princípio de seu trabalho que poderá iluminar
os caminhos pelos quais a forma narrativa opera em favor do ensino e, em
particular, do ensino da matemática.”
Malba Tahan utilizou as
narrativas para conquistar os leitores e prender a atenção
no contexto cultural árabe de cada história e isso é
inevitável na leitura da obra Mil Histórias Sem Fim.
A postura, a beleza e o
fascínio das mulheres muçulmanas também figuram em
algumas histórias contadas por Malba Tahan e nos romances escritos
por ele. A obra Minha Vida Querida descreve contos árabes tendo
sempre como figura central, a mulher. Ora noiva, ora mãe, ora dançarina,
ora filha, ora prometida, mas sempre exaltada com sua beleza, poesia e
amor.
Na obra O Homem que Calculava
Malba Tahan mescla religião, ciências, matemática,
tradições e cultura árabe. Do meu ponto de vista,
as viagens de Beremiz Samir, os ensinamentos dessa personagem, os cálculos,
a moral, a divulgação da cultura árabe e outros aspectos
presentes nessa obra, são mensagens que o próprio Tahan queria
deixar para todos os leitores de sua época e das futuras gerações.
Façamos, aqui, uma
analogia entre a pessoa de Al-Kwarizmi, das páginas da História
da Matemática e da personagem Beremiz Samir, das páginas
de O Homem que Calculava.
Segundo D’Ambrosio (1994,
p. 45), “Al-Kwarizmi associou-se à Casa da Sabedoria , a convite
de Harun al-Rashid, e parece ter sido protegido de seu filho al-Mamum.
Muitos outros cientistas foram contemporâneos de Al-Kwarizmi na instituição
e parece que seu grande prestígio era devido à sua capacidade
como calculista.”
Tahan (1951) escreveu aos leitores da Revista Al-Kwarizmi de recreações
matemática que “Al-Kwarizmi continua imutável em seus nobres
e elevados objetivos de: a) Cooperar pelo progresso da Matemática;
b) Servir aos professores e estudiosos dessa nobilitante Ciência;
c) Despertar, entre os estudantes, interesse pelas belezas e aplicações
da Matemática; d) Tornar conhecidos, em nosso país, os trabalhos,
as descobertas, os métodos e as pesquisas dos cultores da Matemática;
e) Exaltar e prestigiar todos os que têm elevado e honrado a cultura
matemática no Brasil.”
Temos aqui uma característica
que é marcante entre as duas figuras. Al-Kwarizmi era conhecido
devido a sua capacidade como calculista, e pelas muitas viagens de Beremiz
Samir, o que mais impressionava as pessoas que o conheciam era a sua habilidade
nos cálculos. Desse modo, Malba Tahan conseguiu destacar em Beremiz
Samir características que ele mesmo considerava em Al-Kwarizmi,
como “cooperar pelo progresso da Matemática e despertar entre os
estudantes interesse pelas belezas e aplicações da Matemática.”
Na verdade Beremiz Samir,
o homem que calculava, foi um dos instrumentos que Malba Tahan apontou
para legitimar as contribuições matemáticas e dar
a devida importância às tradições, a cultura,
a matemática e às “filosofias” do povo árabe.
Muitos outros aspectos culturais aparecem nas maravilhosas histórias
sabiamente narradas e contadas por Malba Tahan e isso se comprova quando
os leitores de suas obras deixam-se envolver em seu mundo de fantasias,
lendas, poesia, matemática, arte e religião, englobados em
apenas um conto.
Conclusão
Esse trabalho é uma
tentativa de mergulhar na fantasia árabe do Professor Mello e Souza
e concluir que ele divulgava a cultura árabe em todos os âmbitos
que envolveram sua carreira.
Creio que Malba Tahan preservava
os valores culturais, atualmente, propostos pela Etnomatemática,
como a valorização da matemática não-ocidental,
a leitura matemática de mundo, sob um foco de uma comunidade específica,
a interação entre ciência, religião e cultura
e tantos outros.
Al-Jabri (1999, p.25) afirma que,
AL-JABRI, M.A. Introdução à Crítica da Razão
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D’AMBROSIO, U. Etnomatemática: Arte ou Técnica de Explicar
e Conhecer. São
Paulo: Ática, 1993.
D’AMBROSIO, U. Al-Kwarizmi e sua Importância na Matemática.
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LARAIA, R.B. Cultura: Um conceito antropológico. Rio de Janeiro:
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MEIDANI, H. Malba Tahan: Matemática, Literatura e Educação.
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