CO20: Uma análise que professoras das séries iniciais fazem da matemática que ensinam

Carmen Cecilia Schmitz
Mestranda em Educação – UNISINOS

 

RESUMO

Este trabalho trata da primeira parte de uma pesquisa que realizei com professoras das séries iniciais do ensino fundamental. Busquei problematizar a visão das professoras sobre o currículo de Matemática numa perspectiva etnomatemática, analisando com cada uma o caderno de Matemática de um aluno. Os sujeitos da pesquisa são seis professoras de uma escola de ensino fundamental até 5ª série, de Bom Princípio, RS. A pesquisa empírica, de cunho qualitativo, envolveu entrevistas não estruturadas, depoimentos pessoais e diário de campo. Para analisar os dados usei referencial da teoria contemporânea do currículo, da Etnomatemática e da educação continuada de professores.

PALAVRA CHAVE: currículo, Etnomatemática e educação continuada de professores

INTRODUÇÃO

Esta pesquisa nasceu das minhas inquietações como professora de Matemática e Didática da Matemática de um curso de Magistério, voltado para a formação de professoras e raros professores de 1ª a 4ª séries do ensino fundamental.

As minhas inquietações apontavam para a contextualização da Matemática. Refletir sobre que Matemática "necessária para a vida" a ser trabalhada nas séries iniciais é uma tarefa importante para nós, professoras e professores. Sérgio Nobre (1989,p.34) argumenta que existe falha no processo adotado pelos professores das séries iniciais, de trabalhar a Matemática necessária para o aluno e a aluna fora da escola. Segundo o autor, os professores se esforçam principalmente em trabalhar resolução de problemas acreditando que assim estão ensinando aos alunos uma Matemática que será útil em sua vida diária.
Mas, os problemas matemáticos trabalhados, na sua maioria, são fictícios, dizem pouco para o aluno, não representam um problema efetivo para o aluno. A clássica pergunta "quanto sobrou de troco?", dependendo do contexto social pode representar lucro e não problema. É o argumento de Regina Buriasco (Nobre; 1989, p. 33) quando conta a história do menino
que diz que sua professora não sabe fazer problemas, pois só sabe fazer compras e ainda faz a pergunta errada: "outro dia ela mandou a gente comprar cinco coisas com um tanto de dinheiro e calcular o troco; a pergunta tinha que ser se deu pra comprar tudo isso, porque o problema é o dinheiro dar para comprar o que se precisa e não quanto sobrou de troco; o que sobrou não é problema e, sim lucro".

Reflexões sobre o currículo estarão sendo feitas pelos professores em exercício? Estarão tendo oportunidade, tempo e espaço para analisarem e discutirem sua prática?

Nesta pesquisa busquei investigar como professoras das séries iniciais analisam a Matemática que ensinam. Analisamos o caderno de Matemática de um aluno ou de uma aluna selecionado pela professora.

Durante as entrevistas em que analisamos o caderno, percebi, muitas vezes, a preocupação das professoras em desenvolver "todo" o conteúdo da série. O professor da série seguinte tornava-se figura importante, detentor do poder de "dizer" a eficiência do "preparo" da série anterior, ainda mais, quando o aluno iria para a escola grande, do centro, fazer a 6ª série. Nessa série tem, geralmente, oito professores com o poder de avaliar aquele professor ou professora unidocente da 5ª da escola menor.

Ao olharmos as atividades desenvolvidas no caderno, constatei que muitos são os saberes silenciados que não encontram espaço na sala de aula. A vida, o vivido tem poucas oportunidades de visibilidade na prática escolar. Muitas vezes, o que o aluno faz "lá em casa" (hábitos, linguagem, crenças), o que ele sabe sobre "isso" que se está ensinando, é silenciado para "não perder tempo", para "dar" todo o conteúdo.

Esses saberes silenciados poderiam ter visibilidade se ouvíssemos os alunos, os pais dos alunos, em geral impedidos de dizer o que esperam da escola. Marta Civil (1995, p.72) fala da possibilidade de desenvolver uma pedagogia de sala de aula que reconheça e incorpore as condições e experiências dos alunos. Isto é, aproveitar o que eles já possuem e conhecem para prosseguir na aprendizagem. Ela fala que podemos entrar nos "lugares dos estudantes" e trazer os conhecimentos próprios deste contexto para a sala de aula.

Por outro lado, ao problematizar a importância de determinado conteúdo, muitas vezes a única argumentação apresentada era a linearidade do conteúdo, onde um é pré-requisito de outro, onde o conteúdo de uma série é a base do conteúdo da série seguinte. Um exemplo foi a resposta dada pela professora da 3ª série ao ser problematizada a importância de ensinar
expressões numéricas através de extensas listas diárias; "É muito, muito importante, eles precisam saber bem, eles precisam na 4ª série".

Nesta primeira parte da pesquisa o uso da reflexão para problematizar a visão das professoras sobre o que ensinam deu elementos para compreender melhor uma prática maior de educação continuada que é a segunda parte da pesquisa. Esse processo de reflexão, segundo depoimentos das professoras "mexeu" com elas, as perguntas que eu fazia passaram a ser perguntas delas.

Esse envolvimento dos professores no processo de pesquisa, investigando a própria atividade educativa, está sendo sinalizado como um dos caminhos para superar uma visão ingênua que acredita que realizar palestras, oficinas, etc é suficiente para que haja perspectiva de mudança educacional. Otávio Aloísio Maldaner (1998, p.195) defende a formação do professor/pesquisador como prática indissociável da ação docente nas escolas.

Foi possível com o estudo realizado melhor compreender as limitações e perspectivas de um processo de reflexão da prática pedagógica. Acredito que as reflexões feitas pelas professoras e as minhas como pesquisadora levaram a considerar o contexto cultural dos alunos e outros modos de lidar com a Matemática.
 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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