Maurício Machado Galvão
Resumo:
A matemática e a poesia estão em tudo, mas isto
é apenas ilusão de óptica, pois matemática
e poesia estão no sujeito interpretando o mundo, esta é a
razão de buscar nele a matemática. Emprego a mediação
(Sanchez, 1992) como forma de buscá-la neste a quem ensino, mas
não sou eu que a encontro, e sim este outro, que a descobre em si
mesmo, como um reflexo de sua humanidade.
Palavras-chaves: mediação, saber matemático e sujeito
Introdução:
Durante anos realizei uma prática didática que
encontrou respaldo na teoria do Dr. Feuerstein (Sanchez, 1992). Obtive
bons resultados com vários alunos que apresentavam dificuldades
e que conseguiram ao final, uma vivência tranqüila com a matemática.
A principal ferramenta, deste trabalho, é o que ele chama de mediação,
e que eu fazia sem lhe dar nome. Esta apresentação é
o resumo das razões que me levam a crer nesta abordagem, cujo o
sujeito não é considerado apenas um espectador de uma teoria,
mas um participante ativo de seu próprio processo de aprender, que
é um pouco reconstruir.
Objetivos:
Apresentar uma reflexão sobre o emprego da mediação
proposta por Ruven Feuerstein, em sua Teoria da Modificabilidade Cognitiva,
no ensino da matemática.
Desenvolvimento do tema:
Minha perspectiva é de um poeta matemático ou de um matemático
poeta, por isso é natural tomar algumas vezes a poesia como referência.
Dentro das referências da poesia, uma forte é a do modernismo.
O modernismo abandonou a poesia das regras melódicas, das rimas
e daquela perspectiva onde o menos importante era o que se dizia. A poesia
dos dodecassílabos, das rimas ricas e idéias pobres no dizer
de Osvald Andrade. Em alterando o modo de ver o mundo, veio a idéia
de democratizar as letras e a matéria da poesia ganhou as ruas,
as casas, e o dia a dia. Num dos poemas modernistas se dizia que poesia
está até na cebola que faz chorar a dona de casa. Ou seja,
a poesia está em tudo, assim como a matemática está
em tudo. Mas isto é apenas ilusão de óptica, pois
nem poesia nem matemática estão nas coisas, mas nos olhos
que as interpretam.
Assim o que me parece é que a questão crucial não
consiste em buscar a matemática em situações e fatos,
mas no sujeito de cujo saber matemático me ocupo. Esta perspectiva
exige uma mudança de referencial, uma mudança de abordagem
e sobre tudo uma mudança de postura. É preciso moldar o conhecimento
no sujeito, não faze-lo se moldar ao conhecimento. A pergunta é,
o conhecimento é contrário a natureza deste ser a quem pretendo
ensinar? Minha idéia é que não, me parece que todo
o conhecer advém desta natureza. Assim vejo razões para desconfiar
que há no aluno os elementos necessários a construção
da maioria dos conceitos. Não entendo a matemática como a
lei que rege o mundo, mas o modo como o interpretamos. Assim não
olho a matemática como a raiz do absoluto, ao qual todos os seres
devem obediência cega e servil. Algo que emerge do meu sentir e pensar
é que a matemática vem do sujeito e o ajuda a entender e
decifrar o verdadeiro enigma, que são as coisas, o mundo, a vida.
E, olhar com sabedoria não é ter ciência plena de tudo,
mas saber o que nos é possível.
Quando coloco moldar o conhecimento ao sujeito, estou empregando a
idéia, que existe um sujeito, que este sujeito tem obrigações,
mas também direitos. Um dos quais é ser único e distinto
de todos os que existem, existiram e existirão. Assim tentar faze-lo
se moldar ao que eu penso que é o conhecimento é negar sua
individualidade única e exclusiva. O acho que é importante
ele saber, mas querer que ele se adapte a minha visão de mundo é
impróprio e inadequado. O conhecimento tem que se construir no sujeito
para fortalecer sua pessoa, não a negando, para que este de fato
possa contribuir para o desenvolvimento da sociedade a qual pertence. Uma
sociedade é mais que as pessoas que a compõe, mas sem eles
inexiste. A relação indivíduo sociedade é dialética,
o sujeito transforma o meio em que vive, assim com é transformado
por este. O que creio é que indivíduos íntegros produzem
uma sociedade íntegra e vice-versa. O que proponho é humanizar
as relações humanas, ou seja, repisando no óbvio,
que sociedade respeite o indivíduo para que este possa respeitar
a sociedade. As relações não estão dissociadas,
assim como na física toda ação está sujeita
a uma reação, e muitas das questões de educação
são advindas desta reação. O processo de ensino, nega
de maneira explícita a expressão do sujeito, e este reage
negando a expressão desta cultura juntamente com todo o seu conteúdo.
Quando consideramos um erro absurdo, e rechaçamos seu cometedor,
estamos participando ativamente deste processo se o cometedor é
nosso aluno, uma vez que ele(a) não tem a obrigação
de saber, mas se encontra ali para aprender. É mais ou menos assim
que se cria e se repete a estória do rei nu , não posso dizer
que não vejo, o que não vejo, pois não ver é
confessar a ignorância, este é um pecado mortal que todos
nós cometemos. Como dizia Clarice Lispector (1984), sobre uma de
suas personagens “...era tão ignorante que nem toda sabedoria do
mundo preencheria seu não saber”. É assim nosso conhecer,
mais feito de lacunas e falhas que tentamos ocultar, pode-se perguntar
tudo a um professor de matemática, menos por que 2 +2 são
4. É como sempre digo, o óbvio é mais difícil
de explicar. Muitos relegam a questão à Filosofia da Matemática,
lavando as mãos do matemático da culpa de não saber.
Oras pipocas, se todo o conhecer matemático descende desta idéia
de número que sinceramente desconheço o que é, que
se diria do resto. Não saber por que 2+2 é 4 é não
saber o que é um número. Tudo bem, durante séculos
se vagou em noções imprecisas, nebulosas mas hoje esta questão,
já é mais ou menos resolvida. Todavia, quantas vezes assumimos
“não sei isto”? Ou nos revoltamos quando um aluno nos flagra diante
de um instante de imprecisão. Quantas vezes dizemos, diante de uma
pergunta: “mas isto é obvio”. Por exemplo por que 4x+3x=7x? Por
que vale a propriedade distributiva? Por que o maldito algoritmo da divisão
funciona? Por que existe um número cuja quadrado é dois?
Por que pegando as interseções de duas circunferências
centradas em dois pontos encontro o ponto médio? E quase sempre
acabamos naquela situação, “professora por que o sangue é
vermelho? Porque Deus quis minha filha”. As noções elementares,
são justamente as que mais nos assombram, a natureza dos preceitos
é que o saber e sabedor estão de alguma forma acima dos outros
homens, e portanto não podem expor suas fraquezas e dúvidas,
e chegamos ao absurdo de ensinar o nosso mais profundo fastio pela vida,
ao invés de ensinar o que verdadeiramente sabemos, ao invés
de ensinar o que nossos alunos querem e precisam aprender, esquecendo que
no passado éramos nós que estávamos ali aprendendo
aquelas mesmas lições.
O que sempre me fascinou em matemática, era como algumas poucas
idéias engenhosas podiam resolver questões, que ao primeiro
olhar pareciam bem difíceis. O que me fascinava é que naquele
campo sabia que ninguém podia me enganar, pois com meia dúzia
de contas, quando muito, se desfazia o equívoco. É esta natureza
engenhosa do saber matemático que me fascina, é a possibilidade
de perguntar por que. Esta questão, que na vida moderna, mais ou
menos, esquecemos, que antes de alguém criar uma regra precisa pelo
menos convencer alguém de que ela é uma boa idéia,
pois se assim não for como farei os guardas verificarem se as pessoas
estão cumprindo. Como farei para o juiz sentenciar quem as descumpra,
como farei para que as pessoas as cumpram. A regra só passa a ser
regra quando de alguma forma é legitimada, e para isto precisa de
uma forte razão para existir, assim o que eu considero é
que não podemos aceitar as regras sem saber sua razão. Uma
história que revela um pouco desta idéia, é a seguinte,
quando criaram a máquina de escrever seu mecanismo emperrava se
fosse digitado muito rapidamente, assim a melhor maneira de evitar que
isto acontecesse foi distribuir as teclas de uma maneira não previsível,
por isso até hoje temos que ficar procurando onde estão as
teclas no nosso maldito (ou bendito micro). Assim o que me parece é
que antes de dizer: “é assim”, devíamos entender porque é
assim. Em matemática tudo tem um porque, eu posso não saber
qual é, eu posso não entender, eu posso não... mas
uma certeza eu tenho ele existe. Quando iniciamos uma teoria matemática,
escolhemos algumas coisas para serem verdades e estas coisas são
nossos cruéis axiomas, e os escolhemos pois se assim não
fizéssemos acabaríamos como a cobra comendo seu rabo, num
impasse terrível, a cobra que estaria dentro do estômago ou
o estômago é que estaria dentro da cobra no final desta história?
O Problema é o velho problema do dicionário, você procura
uma palavra e encontra uma outra, vai atrás da segunda que refere-se
a uma terceira e assim por diante e numa bela hora você está
volta a primeira. Não é possível explicar tudo, noutras
palavras, para explicar o que significa uma coisa necessito partir de algum
ponto, não consigo partir do zero absoluto do conhecer e chegar
a conhecer algo. Por isso tiveram a idéia dos axiomas, ou seja,
já que nunca passo a conhecer a partir do nada, começo a
partir de algo bem simples e elementar que qualquer um possa ver. A idéia
é obviamente a da geometria, e partir destes conceitos básicos
passo a explicar o resto. Veja que esta é uma idéia super
bem “bolada”, começamos construindo... o conhecimento matemática
se alicerça neste pilar. Agora, a parte que normalmente esquecemos
de mostrar no sentido físico da coisa, é de onde vêm
aquelas idéias. Assim, enquanto professores, muitas vezes começamos
a falar de coisa alguma, isto é, “a regra é esta, não
sei o que ela quer dizer mas vire-se com ela”. Agindo assim qual curiosidade
resiste? Como podemos esperar que nossos alunos se entusiasmem, se começamos
expondo um conceito que se quer nos é claro? E cuja a explicação
da definição inexiste, muitas vezes o que se faz é
:“isto se define assim e a partir de agora toda vez que acontecer isto
eu chamo isto de aquilo e depois eu demonstro se isto é aquilo então
aquilo é aquilo outro, e assim por diante e se eu der sorte quem
sabe um dia entendo do que estou falando”. As idéias ficam relegadas
ao plano, quase acidental, quando na verdade a definição
tem um profunda intenção, a intenção de explicar
algo ou a intenção de servir de base para explicar algo.
E explicar é tentar exprimir através de conceitos que formulo,
uma relação que percebo.
Acho que quando percebemos mais do que o conceito em si, e sim como
aquilo explica algo, estamos nos tornando aptos a ensinar, antes disso
dispomos de um conceito, mas não do seu conteúdo. Na mediação
o processo se inverte, o que importa não é o resultado mas
o modo de chegar a ele, onde aprendemos varias estratégias de pensar
que nos auxiliam em diversas outras situações. O que se enfatiza
é modo como se pensa, e o modo como se poderia pensar.
A idéia é analisar situações quotidianas
e propor problemas que revelem a intenção do conceito que
se pretende formular. Assim passamos aquele ponto onde o mestre Zen diz
ao discípulo ocidental, “Seu tivesse feito isto, seria o pior
dos mestres pois não te ensinaria a importância dela apenas
sua técnica.” (Herrigel, 1997). É justamente isto que
sinto que acabamos fazendo, ensinando a técnica e não a importância
de cada idéia, que se oculta e se revela atrás e através
dela. Assim creio que modificar o potencial cognitivo requer mais do que
técnica e conteúdo, requer o amplo embate de idéias,
pois duvidar e dúvida não se assemelham apenas na grafia,
mas são aspectos diversos da mesma realidade, o aluno duvida do
que eu falo, por isso tem dúvida do que eu exponho. Assim o mediador
age, de maneira próxima ao psicólogo, acolhendo as idéias
do outro e mostrando onde ela se engana, assim as dúvidas se dissolvem,
sem dilacerar o que o outro pensa, e sobre tudo sem dar a sensação
de que
outro é incapaz de alcançar aqueles conceitos, muitas
vezes simplesmente por que pensa diferente.
Idéias que parecem contraditórias, freqüentemente,
se revelam bastante próximas e muitas vezes levam ao mesmo ponto,
sendo simplesmente caminhos diferentes de chegar ao mesmo lugar. A mediação
permite enriquecer o raciocínio, permitindo que ele avance
e se componha, quando este chega a um impasse o mediador ajuda a resposta
aparecer, fazendo o aluno refletir, não apenas no significado dos
conceitos, mas analisando também seu próprio modo de pensar,
fazendo-o também perceber onde a rigidez o bloqueou, fazendo-o notar
que uma visão rígida é muitas vezes um visão
limitada. As vezes com simples reenfocar da coisa, o problema se resolve,
mostrando como diversos modos de pensar são bem mais ricos que apenas
um. Assim, tornando seu raciocínio mais maleável, e
portanto apto a se confrontar com situações mais amplas,
onde o enfoque direto (apenas empregando o conceito ) não resolve
o problema, mas com alguns poucos ajustes a situação se adapta
ao que tínhamos antes, ou pode ser resolvida mais facilmente. Este
processo é mais lento, mas também mais duradouro; é
a partir do significado, que o problema se resolve, e não através
de uma técnica que se aplica. A maleabilidade, assim como novos
instrumentos de pensar dão ao sujeito, ou agente, como preferia
chamar, novas possibilidades, que aliadas a sua criatividade produzem um
raciocínio mais amplo, que podem encampar novas situações
e fatos, muitas vezes, de sua própria vida, ampliando seu horizonte
de visão e percepção, e fazendo-o encontrar soluções
de problemas que sequer podíamos imaginar.
É este o porque eu entendo que devemos ensinar matemática,
para formar agentes ativos, criativos, capazes de enfrentar de fato os
problemas, sem se refugiar em lugares comuns, de respostas prontas e previsíveis.
Agentes de quem se pode esperar mais do que reproduzir conceitos, ou formulá-los
a mercê de suas próprias idéias, mas capazes de ouvir
também o que o outro tem a dizer antes de tirar conclusões,
por isso muitas vezes deixo aos meus alunos, a formulação
final do conceito, pois é ele que deve chegar à conclusão,
que aquilo é daquele modo.
Conclusão:
Assim como deixo aos meus alunos a conclusão do que ensino,
deixo a vocês a conclusão sobre esta apresentação.
Bibliografia:
ANDRADE, Carlos Drummond de. A rosa do povo. 18a Edição,
Rio de Janeiro : Record, 1997.
Andrade, Osvald. Pau-Brasil.6a Edição São Paulo
: Globo,1998.
Barros, Manoel de. Livro sobre nada. Rio de Janeiro: Record, 1996.
Barros, Manoel de. Retrato do artista quando coisa. Rio de Janeiro:
Record, 1998
Herrigel, Eugen A arte cavalheiresca do arquero Zen. São Paulo:
Pensamento,1997
Leminsky, Paulo, Distraídos venceremos. São Paulo : Brasiliense,1995
Lispector, Clarice. A descoberta do mundo. Rio de Janeiro : Nova Fronteira,
1984
Sanchez, M. Dolores Prieto. La modificabilidad estrutural cognitiva
y el Programa de Enriquecimiento Instrumental de R. Feuerstein .Madrid
: Editorial Bruño, 1992