CO27: Etnomatemática como veículo para execução dos parâmetros
Rosa M. Mazo Reis

Resumo
Este artigo apresenta a Etnomatemática como uma metodologia adequada ao redirecionamento proposto pelos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, PCNs. Eduardo Sebastiani Ferreira vem apresentando (vide Bibliografia) esta proposta metodológica onde a modelagem matemática acontece depois da análise da pesquisa de campo. O importante a ressaltar é que esta proposta só tem significado quando ela resulta numa ação no contexto social onde se encontra a comunidade escolar que está trabalhando com a referida metodologia.

Palavras-chave: Etnomatemática, Modelagem Matemática e Parâmetros Curriculares Nacionais

Introdução
Existe uma preocupação entre educadores, que perpassa tanto a lei LDB/96, assim como seu detalhamento e encaminhamento pela Resolução CNE/98, como os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, PCNs, no sentido de que se produza conhecimento de significado próprio, efetivo. A busca de contextualização e a preocupação com a interdisciplinaridade apontam para um trabalho com uma relação íntima com a Etnomatemática.
O estudante de nível médio, de acordo com sua faixa etária, já possui uma integração à vida comunitária, sendo muitas vezes o interlocutor entre a cultura de seu grupo e a cultura escolar.
Uma vez que os objetivos do Ensino Médio da área da disciplina Matemática envolvem o desenvolvimento de conhecimentos práticos contextualizados combinados com o desenvolvimento de conhecimentos mais amplos e abstratos, que correspondam a uma cultura geral e a uma visão de mundo. A Etnomatemática como metodologia é um caminho para que esses objetivos sejam atingidos.
 
Desenvolvimento do tema
Cada aprendiz ao entrar na escola traz consigo sua realidade, o professor precisa conhecer essas realidades. É o ponto de partida para o caminho a ser percorrido, conhecer a realidade da comunidade, do grupo, de cada aluno. Questões povoam as mentes, a pergunta é devolvida com um convite de partir para o “campo” para pesquisar. Esse caminho é uma etnografia.
Nos trabalhos que temos desenvolvido procuramos um tema que toda a escola e sua comunidade, não só o professor e o sistema escolar, mobilizem-se e se envolvam para produzir a etnografia. Cabe ao professor analisar a viabilidade de tal tema e ao analisar o levantamento seleciona as perguntas a serem respondidas. O ambiente escolar deve fornecer condições de trabalho, para que uma vez modelada as questões, a matemática acadêmica possa dar conta de responder as perguntas levantadas. Ao final a habilidade de modelar uma situação, desmembrar em partes uma questão e modelar de forma que a utilização da matemática escolar solucione as questões, promove uma transformação educacional pretendida, a competência de lidar com uma situação “nova” utilizando a bagagem adquirida.
Algumas vezes recorremos a abordagem histórica, o que nem sempre é possível.
De acordo com Sebastiani o esquema abaixo seria a síntese do movimento relatado:

   Realidade
 
        Escola                       Etnografia  Etnologia

As setas que partem da solução mostram que nem sempre o “resultado” apresenta um fim em si mesmo. A modelagem é que permite que o “sistema” ao ser discutido seja classificado em impossível, possível e determinado, ou possível e indeterminado, de acordo com o número de soluções encontradas.
A meta é uma ação para mudar a realidade, assim como um cidadão consciente possui uma postura crítica, o que condiz com o exercício da cidadania. A modelagem, a Matemática são ferramentas colocadas ao alcance do aprendiz para que ele possa argumentar com fundamento.
A condução de um aprendizado com essas pretensões formativas, mais do que do conhecimento científico e pedagógico acumulado nas didáticas específicas de cada disciplina da área, depende do conjunto de práticas bem como de novas diretrizes estabelecidas no âmbito escolar, ou seja, de uma compreensão amplamente partilhada do sentido do processo educativo. O aprendizado dos alunos e dos professores e seu contínuo aperfeiçoamento devem ser construção coletiva, num espaço de diálogo propiciado pela escola, promovido pelo sistema escolar e com a participação da comunidade.
Dessa forma o aprendizado não é centrado na interação individual de alunos com materiais instrucionais, e nem se resume à exposição de alunos ao discurso professoral, mas o que se realiza é uma participação ativa de cada um de e para o coletivo educacional, numa prática de elaboração cultural. A expectativa é que na sociedade ele continue a trabalhar dessa forma.
A metodologia etnomatemática contribui para o desenvolvimento de processos de pensamento e a aquisição de atitudes, cuja utilidade e alcance transcendem o âmbito da própria Matemática, podendo formar no aprendiz a capacidade de resolver problemas genuínos, gerando hábitos de investigação (etnografia), proporcionando confiança e desprendimento para analisar (etnologia) e enfrentar situações novas (modelagem), além de desenvolver a criatividade e outras capacidades pessoais (solução ou retorno a uma das fases anteriores.)
No percurso do modelo até a solução o aprendiz está usando um conjunto de técnicas e estratégias, a Matemática num caráter instrumental da Matemática no Ensino Médio, ela deve ser vista pelo aluno como um conjunto de técnicas e estratégias para serem aplicadas a outras áreas do conhecimento, assim como para a atividade profissional. Não se trata de os alunos possuírem muitas e sofisticadas estratégias, mas sim de desenvolverem a iniciativa e a segurança para adaptá-las a diferentes contextos, usando-as adequadamente no momento oportuno.
 Nesse sentido, é preciso que o aluno perceba a Matemática como um sistema de códigos e regras que a torna uma linguagem de comunicação de idéias e permite modelar a realidade e interpretá-la.
 A metodologia etnomatemática auxilia no desenvolvimento da autonomia e da capacidade de pesquisa, elevando a auto-estima, pois o aprendiz confia no seu conhecimento. E entende sua formação como continuada e seguirá aperfeiçoando-se ao longo da vida. Seu grande ganho foi “saber aprender”.
 A sociedade de hoje, que se adapta ao impacto da tecnologia, a um mundo de constante movimento, exige um redirecionamento que favoreça o desenvolvimento de habilidades e procedimentos que possibilitem ao cidadão reconhecer-se e orientar-se nesse mundo.
 A metodologia etnomatemática promove habilidades como selecionar informações (etnografia), analisar as informações obtidas (etnologia) e, a partir disso, tomar decisões que exigirão linguagem, procedimentos, estratégias, técnicas e formas de pensar matemáticas (modelos matemáticos) para solucionar a questão levantada. Uma vez encontrada uma, nenhuma, ou várias soluções, retornamos a questão inicial para checarmos a adequabilidade da solução. Nesse momento desenvolvemos as habilidades de avaliar limites, possibilidades e adequação das soluções à realidade.
Em 1986, Sebastiani chamava de Etnomatemática a uma Matemática codificada no saber fazer. Em 2000 os PCNs enfatizam este saber fazer:
“Assim, as funções da Matemática descritas anteriormente e a presença da tecnologia nos permitem afirmar que aprender Matemática no Ensino Médio deve ser mais do que memorizar resultados dessa ciência e que a aquisição do conhecimento matemático deve estar vinculada ao domínio de um saber fazer Matemática e de um saber pensar matemático”.
 
 

Conclusão

Num parágrafo dos PCNs, o primeiro a tratar dos conhecimentos matemáticos diz o texto “À medida que vamos nos integrando ao que se denomina uma sociedade da informação crescentemente globalizada, é importante que a Educação se volte para o desenvolvimento das capacidades de comunicação, de resolver problemas, de tomar decisões, de fazer inferências, de criar, de aperfeiçoar conhecimentos e valores, de trabalhar cooperativamente. A metodologia etnomatemática  permite que o importante descrito neste primeiro parágrafo seja contemplado. Além da escola assumir um outro papel que seria o de apresentar alternativas para as questões levantadas na comunidade em que ela está inserida.
Numa outra dimensão seria o mesmo papel que a pesquisa e os pesquisadores representam para a sociedade do planeta Terra, de um modo mais amplo.
Um curso de Matemática que use a metodologia etnomatemática teria um aprendiz capaz de compreender conceitos e procedimentos matemáticos. Mais que isso, esses conceitos e procedimentos seriam fundamentos para suas conclusões e argumentações, tanto para seu papel como consumidor prudente assim como para tomar decisões em sua vida pessoal e profissional.
 
 

Bibliografia
 

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