CO33: Nó borromeano:Matemática-EducaçãoMatemática- Etnomatemática
José Roosevelt Dias

Resumo
Abordamos Matemática, Educação Matemática e Etnomatemática  como objetos distintos mas interligados. A Matemática da escola, a Matemática pura e a aplicada são vistas sob a ótica da Etnomatemática e como fundamentais para a autonomia de um pais. Propomos junto com outros autores a mediação de grupos segundo a cultura e o grau de marginalização para integração à sociedade mantendo suas raízes.  Comentamos no final alguns trabalhos já realizados nesta área. Há no entanto estratégias a serem implementadas e recursos a serem adquiridos.
 

PALAVRAS-CHAVE : Educação, desenvolvimento, exclusão

INTRODUÇÃO
 A presença da Matemática em atividades do cotidiano (comércio...) na tecnologia  e na ciência implica na educação continuada referente  a transmitir este conhecimento, e absorver os novos, oriundos de  pesquisas na matemática pura e a aplicada e como o necessita a ciência e a tecnologia (C&T). É difícil conceber um povo que prescinda da C&T para sobreviver. A sociedade denominada ‘High Tech’ é um estágio buscado pela totalidade dos países para o exercício da comunicação, otimização e automação; a informatização invadiu desde atividades ligadas a alimentação até pesquisa sobre a estrutura de funcionamento do homem através do estudo de códigos genéticos, passando pela arte e o lazer. Este desenvolvimento tem sido mal administrado resultando num fator de exclusão de grupos urbanos e até mesmo de países e ocorre numa velocidade espantosa e de difícil controle. Postos estão portanto os problemas de desenvolvimento e de exclusão. Este quadro leva hoje mais do que nunca a considerar o ensino o centro nevrálgico do enfrentamento. No nosso país consideram-se críticos sua autonomia e a qualidade de vida dos habitantes. Há portanto muito o que fazer. A integração de grupos étnicos assim como o avanço tecnológico de um pais (ou grupos de países) leva a certas considerações que ultrapassam a relação  aluno-conteúdo. Vários trabalhos tem sido feitos a nível empírico ver [6], [4] e[9] sobre o ensino da matemática. Porém a identificação e reconhecimento do aspecto étnico local não basta. Com este termo reforço o aspecto de que a consideração de um grupo em especial conduz a uma situação local não refletindo assim o global do problema. A problemática do ensino da Matemática ultrapassa cada grupo em particular. Buscar a unidade dessa diversidade de aspectos étnicos evita a unilateralidade e a perda do horizonte e do sentido de direção.  Para me referir a casos que mais vivencio atuando no ensino do terceiro grau no curso de Matemática creio que o trabalho de base na licenciatura pode contribuir para um estado de alerta por parte do futuro professor inserindo discussões temáticas. Mas o pais necessita dos recursos humanos que a Academia pode  gerar. Assim a relação Universidade –escola e atividades de extensão emergem como fundamentais desse ecossistema ,desse nó borromeano cujos anéis são Matemática, Etnomatemática e Educação Matemática.

OBJETIVOS
O objetivo maior deste trabalho é contribuir com reflexões sobre a problemática da Etnomatemática na sua versão crítica ‘vestindo a camisa’ e buscando contatos diretos com outros interessados nas áreas do “nó”. Tenho consciência do momento de construção emergente. Precisamos exercitar paciência e coragem frente a críticas e incompreenções. Mas sinto a força da sintonia à qual pretendo somar esforços.
A identificação dos objetos
Educação Matemática
A Educação Matemática vem se  constituindo como um novo objeto de saber . Não é nossa intenção discutir se está ou não cristalizada. Já sendo formulada na pós-graduação através de mestrados e doutorados acreditamos que num futuro próximo seja estabelecida uma graduação o que irá decretar simultaneamente sua existência e seu futuro. Suas bases estão fundamentadas de forma objetiva originada em problemas de ensino da Matemática, embora espraiada sobre vários campos do conhecimento. Este aspecto dificulta uma concepção geral e também a formação no sentido de conteúdo ‘vertical’. Alguns professores de Matemática que no exercício de sua vocação desenvolvem atividades extra curriculares classificam sua atuação como Ensino de Matemática . São profissionais com conteúdo especifico e que não acham conveniente  excursões mais abrangentes para novas perspectivas ou ampliação de horizonte. Temem a dispersão. No entanto vemos que hoje não há linearidade que dê conta de uma área de conhecimento como a Matemática  Não se trata portanto de enfrentar problemas de ensino na Matemática com enxertos de suas próprias partes. Por vezes este encaminhamento leva ao surgimento de disciplinas com necessidade presumida acolhidas freqüentemente de modo acrítico. (Machado [2] pg. 179). Ainda Machado (idem pg. 181) cita Roland Barthes (No rumor da língua) que considera a possibilidade da  Interdisciplinaridade como construção de um objeto novo. Este ponto é crucial em Educação Matemática pois ela envolve disciplinas já estabelecidas a exemplo da própria Matemática , psicologia e da pedagogia das quais ‘nenhuma consente em abandonar-se’. Trata-se então de construir a Educação Matemática como um novo objeto.

Matemática
A Matemática não subsiste sem aplicações. Sua relação com as ciências ( a física por exemplo) lhe transmite a lucidez necessária para não ser um simples jogo formal . Já a filosofia pode lhe dar a consciência do que faz : questiona seus métodos , seus objetos (conjunto infinito etc.)e seus axiomas ( ponto de partida por vezes intuitivo).Seria incorreto considerar  que o desenvolvimento deste campo seja devido (mesmo hoje) a questões internas. Com Newton tomou corpo a física Matemática o que permitiu o desenvolvimento de máquinas. O empirismo na época era uma escola filosófica imbatível  pois novos experimentos resultavam em novas leis propostas. O conhecimento científico tornou-se a ‘via da verdade’  . O homem acreditou  que podia conhecer o universo e suas leis. As formulações de Lagrange , Hamilton são estudadas como a descrição da mecânica do universo.  No  entanto as ‘questões internas’ da Matemática são de profundo valor. O problema do 5° postulado  era  interno por ser  de ordem axiomática. Como sabemos, estes estudos culminaram no surgimento das geometrias Não-Euclidianas da qual a teoria da relatividade é tributária. Várias outras questões internas propiciaram o desenvolvimento da Matemática tendo posterior retorna a aplicações ,inclusão a medicina.
Não há sentido em ver a Matemática como linguagem da ciência pois o matemático ‘arruma’ a casa numa tarefa de investigar o que ainda não está claro ou resolver problemas postos por situações as mais diversas. Este ferramental  não pode ser  reduzido a um papel de texto   descritivo ou de apoio tão simplesmente.
Não podemos nos pautar em caracterizar todo o esforço e volume de ensino de ciências e Matemática apenas com o objetivo de desenvolver mentes . A educação do indivíduo num pais de periferia como o nosso deve ser direcionada para uma perspectiva de desenvolvimento e de libertação econômica e cultural.

Etnomatemática: A prática Matemática  não é Universal , mas Etno Dependente
Com este título polêmico, por ferir o mito da Matemática universal, pretendo somar as atenções a diferentes óticas de trabalho com a Matemática. Tanto Freire quanto Vygotsky e Luria apresentam material substancial para uma analogia da concepção de Etnomatemática através duma etnolinguistica. Em Luria [10] pg. 29 temos uma citação: a língua de alguns povos, que estão num nível baixo de desenvolvimento cultural, é difícil  de entender sem o significado da situação na qual se pronunciam as palavras dadas. Portanto , é impossível entender de que fala essa gente estando na escuridão , quando não se pode ver a situação nem os gestos. Ora percebemos num país como o nosso, multicultural e descultural como a Rússia de Vygotsky e Luria que há camadas da população que falam o português-situação. Também seu conhecimento de Matemática é de situação. Não trabalham a estrutura. Habitantes de um povoado pesquisado por Luria classificaram os objetos por sua função e não pela forma ou características. Assim os objetos similares são os de uma mesma tarefa : machado ,serra e  lenha. Troncos isoladamente ou o machado em si são objetos órfãos. Também foi observado um fato relevante para a questão do ensino : a região do cérebro ativa ao se fazer um calculo em Matemática é diferente no engenheiro e num homem de pouca instrução. Isto tem de ser investigado nas suas conseqüências.
A mediação : não há mais sociedades extrativistas. A matéria prima tem baixo preço no mercado internacional (pertence ao quarto mundo ,a pequenas comunidades ): hoje a meta é produção de alimentos , industrialização e tecnologia.
 Se considerarmos que a Matemática Acadêmica tem projetos de consultoria para indústria e tecnologia podemos inferir daí que “todo país tem uma Matemática própria” . Esta afirmação leva em conta que certos itens de pesquisas são dirigidos a desenvolvimentos próprios de um país e que a Matemática se desenvolve intensamente quando acoplada à questões objetivas. Naturalmente que acoplado a este desenvolvimento matemático está um grupo econômico que pode ser o próprio Estado. Por exemplo , a Petrobrás desenvolveu junto à UNICAMP e à UFRJ a tecnologia de perfuração de águas profundas. O Japão é avançado em tópicos matemáticos como abalos sísmicos devido à quantidade de vulcões na sua superfície ou que estejam próximos a sua tecnologia. Se um pais não tem sua própria Matemática , se não é líder em nenhum de seus campos,  é porque é economicamente  e culturalmente dependente. Talvez seja forte o termo ‘Matemática própria’ e mais conveniente seria o termo ‘escola própria’ ou ‘escola de tal país’.
Estas reflexões levam em conta que :
A Matemática esclarece pontos importantes da tecnologia e outras aplicações assim como contribui para seu desenvolvimento.
2- O desenvolvimento de um pais é dependente da sua qualidade universitária
O binômio Cultura e desenvolvimento é  vital para o programa da autonomia de um país
Os currículos dão cunho de universal a Matemática . Na verdade , há só uma aparência apenas porque se o objeto de estudo é o mesmo ,as características específicas de cada país têm uma influencia na formulação de programas que dependem da estrutura educacional de cada país . A seqüência  escolar sendo diferenciada ,provoca programas distintos assim que um indivíduo que se desloque de um país a outro nesta faixa de estudo teria de sofrer uma adaptação . Bem entendido esta adaptação ocorre mesmo na situação mais profissional das instâncias de mestrado e doutorado. Assim , estuda-se Matemática nas escolas do mundo inteiro. Há Matemática em todos os currículos, a mesma na sua essência , porém diferenciada por fatores socioculturais .
A educação de grupos étnicos onde se intenta a integração também leva encruzilhadas. Um país desestruturado não tem condições de tratar com qualidade a cultura e o social . Isto dificulta por exemplo , a execução de programas com índios com grupos rurais assim como grupos urbanos de excluídos. Para o país adquirir tal estrutura tem de desenvolver-se e para isto recorrer a métodos ansiolíticos. Preservar a cultura resultando num quadro estático de um grupo pode ser um meio fácil de destrui-lo. Hoje vemos o índio ter de se integrar a vida ‘civilizada’ para sobreviver. A demarcação de terras não tem sido cumpridas a ponto de permitir a manutenção de sua cultura e praticas econômicas. Muitos dos grupos são hoje pobres por terem se integrados na cultura civilizada. Neste caso como manter a etnia e sobreviver? Nosso próprio país não tem autonomia. È um misto de mediar para integração, ensinar para a autonomia e se atualizar mantendo o ritmo de estudo em Matemática.

CONCLUSÃO (ÕES)
Nesta conclusão que é apenas um começo teço comentários sobre alguns textos consultados sobre a Etnomatemática. Os trabalhos resultantes de pesquisa em campo (Knijnik [4], Rol de Teses [6]) constatam o uso diferenciado da Matemática por parte de cada  grupo. Naturalmente estes mesmos grupos podem ser mediados para apurarem seu trabalho no que concerne a mais recursos. Consideremos um exemplo. Há empreiteiros  que fazem um telhado com 30% de caimento(este é um padrão na região dos lagos no Estado do Rio). Com isto ele conhece a que altura estarão o topo do telhado(que vai ser arbitrado) e a sua base onde ele recorre ao caimento. Se o telhado tem 5metros ele cairá 1,5m. No entanto este mesmo operário não saberá calcular que peso máximo suporta a coluna tal (de madeira ou concreto) . Nas pequenas cidades encontramos muitas construções que afundam no solo , que tem umidade e outros problemas. Se por um lado muitos engenheiros e arquitetos trabalham com ‘tabelas’ sem um real domínio para fugir ao padrão e criar; o fato é que os recursos de um engenheiro civil e de um arquiteto permitem personalizar uma construção usando o suficiente de material de forma segura, com boa ventilação e estética. Este exemplo é da natureza dos grupos em Abreu [6], Borba [6]  Carvalho [6]e Grando [6]. Estas pesquisas se acoplam com  trabalhos como em Monteiro [6], Souza [6] e Frankenstein [1]. Em Nobre [6] encontramos uma situação inerente à massa desenformada de países como o nosso , que diariamente caem em armadilhas sob o peso das quais sucumbem financeiramente além de votarem no ‘voto útil’ que algumas pesquisas de intenção induzem. Em Borba [9] e Pompeu [6] encontramos ‘muito o que fazer’. Creio que muitos que são atentos à Etnomatemática procurarão se munir de recursos para tornar suas aulas mais eficientes e agradáveis. Podemos pensar em apresentar ‘os urbanos’ às atividades do campo ,da marcenaria da mecânica para que vejam a Matemática funcionando na vida. Alguém já declarou que ao tentar isto o professor de Matemática seria ‘massacrado’ pois além da Matemática ele ainda tenta ‘levar os alunos para um mundo distante e do qual tem preconceito’.
O mundo hoje detém um tecnologia jamais imaginada. Sabemos quão difícil é distinguir ficção científica e ciência. Porém não podemos nos resumir a admirar efeitos especiais nos filmes nem nos reduzirmos a consumidores da informática seja através de produtos individualizados ou de utilização na escola. Melhor será que os filmes voltem a falar de temas da sociedade onde vejamos valores no centro das telas e não a violência justificada por valores de mercado , do que vendem mais. Há muito o que se conhecer de cada povo : sua cultura sua lição histórica. Sua arte , seu idioma , sua Lógica e sua Matemática. Devemos resgatar a etnia e o conseguiremos. Porque no fundo ,pronunciar certas palavras típicas de nosso idioma nos faz bem ,como nos alimentarmos com aquele tempero de nossa cultura. Mal conhecemos nossa cultura ocidental e ela já está ameaçada de se tornar linear. Não é com o subterfúgio de uma Matemática universal , de uma ciência –tecnológica de mercado que estamos a exercer nossos votos nobres contidos nos ideais  de professores. Lecionar é sobretudo aprender numa caminhada conjunta. Uma socialização de mercado permite , num mundo menos agressivo e mais cooptado que países novos emirjam. Esta é a riqueza que podemos esperar a desfrutar .para isto temos de lutar por sua realização. Com cultura e desenvolvimento podemos construir um mundo variado, múltiplo e uno.

BIBLIOGRAFIA
[1]-  Bicudo, Maria Aparecida V., Educação Matemática, Editora Moraes
[2]-  Machado, Nilson José, Epistemologia e Didática, Cortez Editora
[3]- Machado, Nilson José, Matemática e Língua Materna, Cortez Editora
[4]-  Knijnik, G., Exclusão e Resistência: E M e legitimidade cultural, AM 1996
[5]- Lubicz , Schwaller de ,O Milagre Egípcio, Flammarion Editeur, Paris 1963
[6]-  Rol de Teses , Educação Matemática em Revista Ano1,N°1, 1993
[7]- D'Ambrósio, Ubiratan, Etnomatemática EM em Revista Ano1,N°1, 1993
[8]- Anastácio, Maria, A busca ... conceituação..., EM em Revista Ano1,N°1, 1993
[9]-    Borba, Marcelo, Etnomat. e a sala de aula, EM em Revista Ano1,N°1, 1993
[10]-  Luria, A. R. , Pensamento e Linguagem, Editora Artes Médicas 1986