CO36: Café: Aplicando etnomatemática e modelagem
Cléa Mendes da Silva, Marisa Ieda Arioli Del Conti, Milton Rosa , Regina Célia Vialta, Rosângela Marisa Narciso Beraldo
 

Resumo
Devemos ter como objetivo principal a necessidade de buscar novos caminhos para a educação matemática.  Este estudo propõem novos processos de aquisição de conhecimento pelos alunos, que sejam mais compatíveis com as mudanças que estão acontecendo numa sociedade globalizada.  Dessa maneira, este estudo utiliza a etnomatemática, a modelagem matemática e os modelos matemáticos oriundos da pesquisa sobre o café, para estimular a comunicação, a ampliação da visão de mundo, e desenvolver outras formas de pesquisa e análise de problemas reais.
 
Palavras-Chave: Café, Etnomatemática, Modelagem Matemática, Modelos Matemáticos

Introdução
Este estudo foi desenvolvido no período de Fevereiro de 1998 a Fevereiro de 1999, na Pontifícia Universidade Católica de Campinas, durante o curso de Especialização em Educação Matemática.  O tema escolhido pelo grupo foi o café por ser um produto de grande importância na economia nacional e internacional, e também, porque os 273 anos de presença do café no Brasil proporcionaram transformações significativas na sociedade, economia e cultura brasileira, mudando os hábitos culturais de toda uma nação.

Objetivos
Os principais objetivos foram: conhecer o processo de cultivo, industrialização e comercialização do café e entender a modelagem matemática como metodologia de ensino-aprendizagem em matemática.  Os objetivos específicos foram estudar a conexão da etnomatemática com a cultura cafeeira e também os modelos matemáticos oriundos da pesquisa sobre o café e as suas aplicações na prática.
 

Café
A palavra CAFÉ parece derivar do árabe QAHHWAH, KAHOUA ou QAHWA que significa “excitante”.  Designa o grão do cafeeiro, bebida preparada por infusão de água fervente com café torrado e moído; lugar público onde se toma café ou outras bebidas, e também a cor café, um marrom escuro que lembra o grão de café torrado.  Alguns etimologistas a relacionam com KAFFA, província do sul da Etiópia, África, de onde a rubiácea é nativa.
Segundo a lenda, há muito tempo atrás, um jovem pastor chamado Kaldi, percebeu estarem as suas cabras particularmente agitadas. Notou que elas comiam folhas e grãos de um arbusto até então ignorados por todos: eram os pés de café.  Kaldi recolheu alguns grãos e os comeu com tanto prazer que ficou na sua boca com uma agradável sensação de frescor.

A Cafeicultura no Brasil
Em 1727, o governador do Pará, incumbiu Francisco de Mello Palheta, um oficial aventureiro luso-brasileiro, de, a pretexto de resolver, oficialmente questões de fronteira com os franceses da vizinha Guiana Francesa , trazer algumas sementes da preciosa planta chamada café.  Como havia sido proibida a venda de sementes e mudas de café, Palheta cumpre à risca a sua missão, tornando-se amigo da esposa do governador da possessão francesa, Madame Claude d’Orvilliers, e com a cumplicidade da primeira dama, contrabandeou as primeiras sementes e cinco mudas da planta para o Brasil, que originaram os cafezais brasileiros.0
O parque cafeeiro nacional possuia em 1998 cerca de 3,4 bilhões de plantas, ocupando uma área de 2,5 milhões de hectares.  Há uma predominância de variedade arábica (Coffea arabica) representando em torno de 75% da área total plantada. Da espécie arábica as variedades mais cultivadas são Mundo Novo (em torno de 65%) e Catuaí (em torno de 35 %).
A produção média de café no Brasil, considerando as últimas 4 safras foi de 23 milhões de sacas.  Desse total, 18 milhões de sacas foram de espécie Arábica e 5 milhões de sacas da espécie Robusta.
O consumo interno de café no Brasil tem sido da ordem de 11 milhões de sacas/ano, havendo projeção de um consumo de 15 milhões de sacas anuais até o ano 2000.
O Brasil é o maior produtor mundial de café e o segundo país maior consumidor.  Atualmente, os Estados Unidos é o país que mais consume café no mundo.  O café no Brasil é produzido em 10 Estados da Federação, sendo que destes, os mais expressivos são: Minas Gerais, São Paulo, Espírito Santo e Paraná.

Aspectos etnomatemáticos na cultura cafeeira
Em visita efetuada em uma das fazendas de café em Amparo, estado de São Paulo, descobrimos haver um método diferente e curioso, utilizado pelos pequenos produtores de café, para verificar se o café está seco.  O método consiste em pegar um punhado do monte de café que está no terreiro.  Seleciona-se ao acaso (aleatoriamente) alguns grãos de café.  Feito isso, tira-se a casca, colocando-se o grão de café por entre os dentes, mordendo-os.  Se o grão de café pular, o café está seco, se o grão de café não pular, há necessidade de mais tempo para a secagem.  O mesmo método pode ser feito utilizando-se uma faca ou um canivete.  Pode-se constatar, que podemos utilizar cálculos combinatórios para calcularmos a probabilidade da secagem do café no terreiro, como também, prever o volume de café que se encontra secando no terreiro.
O segundo aspecto, consiste na colheita do café.  Neste sítio, os trabalhadores que fazem a colheita utilizam cestos feitos artesanalmente para o transporte do café.  Assim recebem o pagamento por todo o café que conseguiram colher num dia de trabalho.  Quando indagados sobre a forma de pagamento, fomos informados que o fazendeiro utilizava como unidade de medida o cesto.  Fomos informados também que cada cesto continha 60 litros.  Para verificar se o fazendeiro estava realizando o pagamento correntamente aos trabalhadores procedemos da seguinte forma para calcularmos o volume de café contido no cesto.  Como os trabalhadores da colheita não dispunham de ferramentas para medir, utilizamos barbante e uma régua utilizada por uma das crianças que frequentavam escola para calcularmos a altura e o diâmetro cesto.
 
Obtivemos os dados mostrados na figura.  Aplicando a fórmula de volume do cilindro, pudemos constatar o volume do cesto.

V = ? x R2 x H
V = 3.14 x 242 x 33
V = 3.14 x 576 x 33
V = 59.685,12 cm3

Constamos que o cesto possuia aproximadamente 60 litros.

Cooxupé
A Cooxupé (Cooperativa Regional dos Cafeicultures em Guaxupé Ltda) é uma cooperativa cafeeira localizada em Guaxupé, Minas Gerais.  Para melhor atender aos cooperados, a cooperativa fornece assistência técnica, insumos, armazenamento e comercialização do café.  A Cooxupé possui uma capacidade armazenadora estática superior a 1,2 milhões de sacas.  A capacidade anual de recebimento, ligas (blends) e expedição, resultam numa movimentação anual em torno de 4 milhões de sacas de café.
Todo café produzido pelos cooperados e depositados nos armazéns da Cooxupé, passa por um processo de preparo na Matriz. A exceção são os cafés produzidos no Cerrado e depositados no Núcleo de Monte Carmelo, o qual dispõe de uma estrutura com capacidade de preparo para 40.000 sacas/mês. De um modo geral, 80% do café recebido pela Cooxupé é exportável. Tanto para atender o mercado interno , bem como a exportação, o café precisa, entretanto, passar por um processo de preparo.

Estudo para determinação do local ideal para a construção de um armazém dentre os núcleos da Cooxupé

 Para determinarmos a localização do local ideal para construção de um armazém central que receba, prepare e padronize toda a produção de café da área de atuação da Cooxupé, devemos levar em consideração os seguintes aspectos:
Economia de combustível e pneus,
Menor tempo de recebimento da produção dos núcleos;
Desgaste reduzido e manutenção mínima da frota de caminhões.

Considerações importantes

Para confecção dos modelos matemáticos abaixo, utilizamos Monte Carmelo como núcleo central da Região do Cerrado Mineiro, em virtude das produções dos demais núcleos dessa região estarem concentradas no mesmo.
Consideramos também Guaxupé como núcleo central das regiões do Sul de Minas e Nordeste Paulista, visto que a produção cafeeira dos demais núcleos localizados nessas regiões são concentradas nesta localidade.
Para efeito de distribuição da produção cafeeira da área de atuação da Cooxupé, para o mercado externo e para os grandes centros consumidores do país, consideramos Guaxupé como núcleo central de toda a sua área de atuação.

Questionamento

Qual será o local ideal para construirmos um armazém central que receba, prepare e padronize toda a produção de café da área de atuação da Cooxupé, distribuída por 12 núcleos, em São Paulo e Minas Gerais, do modo mais econômico dentro dessa região de atuação?

Modelo Matemático 1 - A Região do Cerrado Mineiro

Hipótese

A região do Cerrado Mineiro é  composto pelos seguintes núcleos: Abadia dos Dourados, Coromandel, Monte Carmelo e Rio Paranaíba.   O melhor local para se construir um aramzén com capacidade de recebimento, preparo e padronização do café é Monte Carmelo, pois o mesmo possui a maior produção cafeeira da região.
Para a confirmação da hipótese, foram verificadas todas as ligações exitentes entre os núcleos e suas distâncias.  Foram observadas também se as ligações (rodovias) eram estradas de terra ou asfato.  Foram escolhidas prefrerencialmente para a montagem da matriz distância, a menor distância entre os núcleos.
Para a montagem da matriz produção, foi utilizada a produção anual de cada núcleo, conforme tabela de valores fornecida pela Cooxupé.
Assim, foi obtida através da multiplicação de matrizes, a matriz produto, ou seja, distância x produção, que determinará qual é o melhor núcleo para se construir o armazém proposto.

Distâncias entre os núcleos e municípios da região do Cerrado
DISTÂNCIAS- KM A B C D
A 0 22 52 196
B 22 0 74 174
C 52 74 0 183
D 196 174 183 0

 

Conclusão

Através deste modelo matemático constatamos que o menor valor da matriz produto, corresponde ao núcleo Monte Carmelo, sendo, portanto, o melhor local, nessa região, para a construção do armazém. Nota-se que a localização do armazém neste local é adequada, levando-se em consideração, neste estudo, a menor distância entre os municípios e núcleos e a produção anual de cada um deles.
Toda a produção cafeeira produzida no cerrado mineiro são depositados no núcleo de Monte Carmelo que é estruturado para atender o preparo do café daquela região, confirmando dessa maneira o modelo matemático proposto.

O núcleo de Monte Carmelo no Cerrado Mineiro e todos os núcleos do Sul de Minas e Nordeste

Hipótese

Nesse estudo, queremos determinar, o melhor local para se construir um armazém, de modo que os caminhões que fazem o transporte da produção cafeeira da COOXUPÉ percorram a menor distância possível, levando-se em consideração a produção anual de cada núcleo.
 
 

Modelo Matemático 2 - Utilização do Matlab
 
 
Determinamos as distâncias entre todos os núcleos, observando-se as estradas e rodovias (asfalto ou terra) que existem entre esses núcleos. Para montarmos a matriz das distâncias, escolhemos sempre a menor distância entre os núcleos e efetuamos a multiplicação dessa matriz pela matriz produção, determinando dessa forma, a matriz produto, distância x produção, que irá determinar qual é o melhor núcleo para a construção do armazém no local ideal.

Distâncias (km) entre os núcleos da Cooxupé
BM 139 HJ 158
CE 42 HI 81
AF 454 GJ 36
CF 63 GI 46
CE 88 GH 10
CH 39 FM 101
CI 127 DM 142
CJ 177 FG 48
CL 104 FH 58
FL 62 EI 241
CM 149 EL 144
DH 107 EJ 235
FJ 153 EM 76
DI 213 FI 159
DJ 198 FL 62
DL 107 HM 102
BD 126 BE 166
BF 121 BG 30
BL 84 BJ 175
BI 98 AB 443
AC 518 HL 62
JL 114 AG 398
BC 30 BH 33
HG 10 CG 48
GI 46 GJ 36
JI 40 CD 86
GF 41 FE 44
DE 31 GM 89
GL 37 LM 79
EM 76 DF 30
GD 62

Matriz das menores distâncias (km) entre todos os núcleos da Cooxupé
 A B C D E F G H I J L M
A 0 443 473 559 590 589 398 408 541 581 538 555
B 443 0 30 116 147 121 30 33 98 175 84 139
C 473 30 0 86 88 63 48 39 120 168 104 149
D 559 116 86 0 31 30 62 107 213 183 92 107
E 590 147 88 31 0 44 92 102 241 197 106 76
F 569 121 63 30 44 0 41 58 159 153 62 101
G 398 30 48 62 92 41 0 10 46 36 37 89
H 408 33 39 107 102 58 10 0 81 121 62 102
I 541 98 120 213 241 159 46 81 0 40 143 183
J 581 175 168 183 197 153 36 121 40 0 114 193
L 538 84 104 92 106 62 37 62 43 114 0 79
M 555 139 149 107 76 101 89 102 183 193 79 0

A matriz é um conteúdo matemático que auxilia na tomada de decisão sobre o local ideal para a construção do armazém.

Critério utilizado: Distância X Produção

» A = [0 443 473 559 590 589 398 408 541 581 538 555; 443 0 30 116 147 121 30 33 98 175 84 139; 473 30 0 86 88 63 48 39 120 168 104 149; 559 116 86 0 31 30 62 107 213 183 92 107; 590 147 88 31 0 44 92 102 241 197 106 76; 589 121 63 30 44 0 41 58 159 153 62 101; 398 30 48 62 92 41 0 10 46 36 37 89; 408 33 39 107 102 58 10 0 81 121 62 102; 541 98 120 213 241 159 46 81 0 40 143 183; 581 175 168 183 197 153 36 121 40 0 114 193; 538 84 104 92 106 62 37 62 143 114 0 79; 555 139 149 107 76 101 89 102 183 193 79 0];
» B = [930447; 180000; 62000; 71150; 502633; 250000; 447700; 105600; 40000; 120000; 875000; 330000];
» x = A * B
x =
1.0e+009 *
1.5592
0.6876
0.7023
0.7548
0.7972
0.7348
0.5086
0.5715
0.9240
0.9267
0.6661
0.7719
Conclusão
Através deste modelo matemático e levando em consideração unicamente a distância em km entre cada um dos núcleos e as suas respectivas produções, constatamos que o menor valor da matriz produto, corresponde ao núcleo de Guaxupé, sendo portanto, o melhor local para construção desse armazém. Constata-se que a localização do armazém é adequada, pelos critérios adotados neste estudo.
Toda a produção cafeeira produzida pelos cooperados do Cerrado Mineiro, Sul de Minas e Nordeste Paulista, são depositados nos armazéns da Cooxupé, que é estruturado para processar o preparo do café em sua área de atuação, confirmando dessa maneira, o modelo matemático proposto. Parte do café produzido no Cerrado Mineiro é preparado, exportado e distribuído internamente e externamente pelo núcleo de Monte Carmelo, porém, não dispúnhamos de dados suficientes sobre essa informação. Consideramos, dessa forma, Guaxupé, como centro preparador, exportador e distribuidor de todo o café produzido em sua área de atuação.

Conclusão Final
Como metodologia de ensino, a modelagem matemática fornece condições para que o aprendizado dos conteúdos matemáticos sejam relacionados com outras disciplinas e até mesmo com outras áreas do conhecimento humano, possibilitando o entendimento da matemática de uma maneira mais ampla.  A abordagem etnomatemática fornece condições para o educando perceber a aplicabilidade da matemática na prática, em situações reais e concretas.  Para isso utilizam-se da metodologia modelagem matemática, através da busca de um modelo matemático que possa matematizar as situações-problema que sejam diagnosticadas durante a elaboração do processo de pesquisa.
Como estratégia de ensino, percebe-se que a modelos matemáticos dificilmente têm sido utilizados, pois argumenta-se que nos cursos regulares há um programa que precisa ser cumprido.  Assim sendo, a aplicabilidade da modelagem matemática em salas de aula, torna-se comprometida pela falta de espaço e tempo disponível para que todo o processo seja adequadamente desenvolvido.  Porém, há necessidade de rever essa argumentação, uma vez que a modelagem matemática não tem como objetivo principal apenas a ampliação do conhecimento, mas sim, o desenvolvimento da capacidade crítica do educando, para que ele possa compreender melhor a sua realidade, agir sobre ela e, através dos conhecimentos adquiridos sobre o objeto de estudo, tentar transformar essa mesma realidade para o bem estar coletivo.

Referências Bibliográficas

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