CO39: Proporcionalidade e Arte em diferentes culturas, da Antigüidade ao Renascimento
Fátima Suely Gonçalves
Helenalda R. de S.  Nazareth

Resumo
O objetivo deste trabalho é apresentar alguns caminhos que a proporcionalidade teve durante sua evolução, da Pré-história até Renascença, identificando alguns tópicos da proporcionalidade e arte e da proporcionalidade e misticismo.
Este texto é uma síntese da transição da sociedade, onde estudos matemáticos estão em  constante  expansão juntamente com as artes.
Diante das possibilidades de matematizar, formalizar, de associar grandezas e medidas é que encontramos um grande desafio, a qualquer mente criativa, de transferir  a matemática para grandes obras de arte.
 

Desenvolvimento do trabalho

A Proporcionalidade e Arte tem sido bastante empregada nos mais diferentes povos e civilizações ao longo do tempo. Importantes considerações filosóficas e estéticas surgiram em torno da proporção desde que a humanidade começou a refletir sobre as formas geométricas de seu mundo. Há milênios,  o homem se preocupa em observar e interpretar a natureza . Assim, podemos afirmar que as primeiras tentativas de proporcionalidade foram feitas pelo homem pré-histórico. Tal se verifica nos desenhos executados nas cavernas. A temática das imagens assim como suas formas expressivas foram determinadas pela condição cultural da época. Os desenhos são gravações feitas diretamente na rocha. Percebemos que, muitas vezes, ao  fazer a imagem, o artista pré-histórico se aproveitava da curvatura natural da rocha, de suas saliências e reentrâncias, integrando a corporeidade  da parede com a forma do animal representado, sem perder a proporção devida. Nessa época a proporção é sentida, é intuitiva e não é uma proporcionalidade obtida através de medidas geométricas.
“Se seguirmos os eixos internos das figuras, isto é, as linhas de força do animal, é possível encontrar proporções de 1:5 e de 2:3. Representam a ordenação da mão: 1:5   é o dedo polegar em relação aos cinco dedos da mão, 2 : 3  são o polegar e o indicador juntos, opostos aos restantes três dedos. Tais ordenações assimétricas e não geométricas podem ser encontradas, por exemplo, na correspondência da cabeça em relação à figura total do animal; ou da cabeça em relação ao tronco; ou, então, os olhos em relação à cabeça.” ( Max Raphael)
Assim, as formas que o homem da antigüidade concebe e dá ao mundo exterior, correspondem a formas de seu mundo e de sua época.
Nas grandes civilizações do Oriente antigo, como Egito, Grécia, Assírios, e outros, a interpretação da proporcionalidade era semelhante. Por exemplo no Egito, a diversidade de condição social, militar, ou política definia as diferentes proporcionalidades.
Na figura humana era usado o recurso de estilização: o rosto é  representado de perfil, os olhos de frente (significando o olhar mágico) e os ombros também são vistos de frente, e os quadris e pernas de perfil. Essa esquematização e estilização só são utilizadas quando representam sacerdotes e divindades. Nas representações de camponeses, seres considerados inferiores, os desenhos eram mais livres, mais naturais.
Para qualquer esboço técnico, o sistema proporcional necessita de uma base geométrica, que se utilizava da interseção de linhas  para marcar o plano de fundo,   compondo uma grade quadrada. Essa grade quadrada era um auxílio, não só para a composição geral e para o desenho da obra, mas também servia para que as figuras humanas fossem executadas segundo proporções corretas prescritas pelos cânones.
Com advento do Cristianismo, as atividades artísticas se transformaram radicalmente por imposição dos dogmas e da influência moral da Igreja. Se antes a proporcionalidade se ensaiava no ingresso das artes, na Idade Média, permaneceu  durante dez séculos no esquecimento.
Hoje tem sido descobertos trabalhos da antiga América, do período em que a Europa se encontrava adormecida .Destes se destacam os da civilização Maya ,  que apresentava um crescimento cultural na arquitetura, pintura, matemática e em outros campos. Na arte Maya, a representação do corpo humano não era tão importante como o foi para os egípcios. Seus deuses e heróis não eram representados por figuras humanas, mas por características físicas de répteis, pássaros ou por formas grotescas.
As figuras eram desenhadas de perfil e frente, sem que houvesse a distorção apresentada na pintura egípcia. Para mostrar profundidade, eles usavam superposição de figuras. A rotação do frontal visto de perfil era de 90°. O homem era visto de perfil pela dificuldade de expressar o nariz e os pés. Para superar essas dificuldades técnicas, os desenhos do corpo eram feitos de frente, a cabeça era feita de perfil e para minimizar a distorção do desenho eram feitos os colares. Em suas representações verificamos simetrias proporcionais, mas sem a exigência de uma precisão nas medidas. Talvez houvesse uma geometria que encerrava noções teóricas, pois há ordenação de espaço, revelando a divisão proporcional.
Já o Renascimento Italiano veio para despertar a Europa de seu sono profundo. Este período caracteriza-se pelo fascínio da Matemática. Grandes pintores passam a ter consciência do papel vital da Geometria. É o que sentimos em Leonardo da Vinci ( 1452 - 1519) que se utiliza da geometria para transformar uma tela branca em perfeitas obras de arte. Um estudo interessante é o da  obra “Ceia” ( 1495- 1497).
Em um refeitório de Santa Maria Della Gracie - Milão - encontramos a representação cristã por excelência, da última vez que Jesus se reúne com seus discípulos. Esta obra é composta por 12 pessoas sentadas à mesa, sendo a dinâmica da composição controlada pela ordenação matemática- seis de cada lado do mestre, os discípulos se distribuem de 3 em 3, formando 4 grupos; o centro é Jesus. Nos primeiros esboços, Da Vinci coloca Judas isolado em uma extremidade e a figura de São João debruçado, dormindo sobre a mesa, mas , modificou o esboço, evitando assim, a quebra da proporcionalidade.
No quadro I, em anexo, encontramos uma perspectiva que é simétrica, na razão  2 : 1 . O ponto inicial da obra, obtido na interseção das diagonais do retângulo da tela, se localiza no olho esquerdo de Jesus, para onde convergem as linhas da perspectiva da composição.
No quadro II, em anexo, temos que o  traçado dos três círculos são feitos com a ponta seca do compasso no olho esquerdo de Jesus. Observamos que o  segundo circulo é tangente à “reta da mesa” e o terceiro tem raio AC igual à distância do centro ao ponto mais alto da tela, descrevendo, assim, uma proporcionalidade entre os  círculos. O raio do círculo grande é igual ao diâmetro do médio.
O círculo grande proporciona a divisão dos apóstolos da direita e esquerda em  grupos de três em três, funcionado assim, como elemento de traçado orientador. Dentro do círculo ficam três apóstolos à esquerda e três à direita de Jesus . Os dois outros grupos situam-se fora do circulo grande, mas, estão incluídos nos semicírculos .O raio do circulo maior intercepta a" reta"  da mesa nos pontos H e J. Com centro nestes pontos e raio igual ao do círculo maior, traçamos dois semicírculos que nos permitem observar que o raio do círculo médio é a metade do raio do maior.
 Leonardo não é só razão. O traçado geométrico tem significados simbólicos:
1) o ponto de início é associado à unidade, origem de todas as coisas, o poder mental. Para Leonardo “O olho é o espelho da alma; é a principal via para se contemplar simples e magnificamente as obras infinitas..".
2) o círculo representa o cosmos, o universo. É o símbolo divino, representando a lei. É
a realização espiritual; a expressão da inteligência brilhante como a luz, representando o Iluminado.
3) o centro dos  círculos concêntrico para o qual  os raios convergem naturalmente é o ponto absoluto.
Percebemos também, a proporcionalidade entre o círculo e o quadrado gerados uns pelos outros em ritmo de sucessão proporcional. O surpreendente é que este traçado tenha sido usado para ordenar a composição de uma grande obra de arte. O quadrado menor duplica-se, gerando o quadrado inscrito na circunferência média, que, por sua vez, se duplica gerando o quadrado inscrito na circunferência maior. O raio do circulo médio é igual ao lado do quadrado inscrito no circulo menor e o raio médio divide o diâmetro do maior em quatro partes iguais.
Simbolicamente,
 os quadrados  representam a base do conhecimento Uno (Protossíntese Cósmica). É o símbolo da coesão, da realização no nível material, em síntese, é  a consumação física da manifestação da luz.
No gráfico III, em anexo,  encontramos  a proporcionalidade entre os pentágonos No círculo médio temos o raio AB; se unirmos BD e DC obtemos um triângulo BDC, com vértice em D e base BC ( reta das três janelas). BD e DC são lados do pentágono. Nos ângulos da base S e T encontram-se as mãos de Jesus. Na obra também aparece o crescimento proporcional do pentágono, que é considerado o mais perfeito polígono em Divina Proporção.
 Leonardo não ignorava que a vinculação entre polígonos além de simbólica é geométrica. A isto se refere  seu amigo Luca Paciolli, em sua obra “A Divina Proporção” , cap. XVIII. “Se no círculo se forma o pentágono equilátero  e se traçam duas linhas retas opostas a dois de seus ângulos próximos, desde os extremos de seus lados, necessariamente aquelas se dividirão entre si, segundo a mesma proporção, e cada uma de suas partes será sempre lado de dito pentágono”
Significados simbólicos
Pentágono – representa o homem cósmico dominando os elementos. É a procura da perfeição evoluindo através da adaptação do corpo físico mortal à disciplina espiritual, superando suas deficiências para atingir um estado superior. É a figura atribuída aos aspectos físicos vitais do homem que, por meio dos cinco sentidos percebe o mundo natural e desta forma assume a existência.
No gráfico IV, em anexo, encontramos a construção de um triângulo equilátero com os lados HJ, HC e JC, compondo assim, a  relação de Jesus com os quatro elementos  geométricos (círculo, quadrado,  triângulo e  pentágono) e seu simbolismo. É notado um certo cuidado na obra, com uma visão filosófica. O ponto, o início do traçado geométrico harmônico, também é a fonte de irradiação de toda a Ação. Não é sem motivo, pois, que para Da Vinci, o micro e o macrocosmo se integram, numa estrutura Matemática do Universo.
Simbolicamente,
Triângulo – é o símbolo da perfeição; representa a  manifestação perfeita dos três reinos ou a trindade divina da sabedoria, harmonia e força interior do homem. É o princípio dos planos manifestos, que foi usado pelos egípcios e mais tarde pelos católicos para representar a Santíssima Trindade.

Conclusão
A proporcionalidade pode ser entendida não apenas como fator estético, mas também como fator estrutural na disposição das partes. A proporção deve ter sido  definida desde a pré-história como sendo a " justa relação das partes entre si e de cada parte com o todo". Enquanto no Renascimento vemos o fascínio pela matemática; (grandes pintores passam a ter consciência do papel da geometria), nos dias atuais, ainda encontramos uma arte de reflexão, de esperança, refletindo uma situação da época, como, aliás, sempre foi, pois toda criação envolve responsabilidade diante do viver.
Mesmo com todo esse desenvolvimento, haverá matemáticos, pintores, poetas, músicos que serão os construtores  de idéias; formas; palavras e sons , parecendo não haver limites, mas, provavelmente, todos estarão fundamentados pela razão harmônica.

Bibliografia
Paciolli, Luca. “A Divina Proporção” -Tradução em espanhol, Lozada-Buenos Aires.
Valery, Paul "Introducionà la Methode de Leonard de Vinci - Gallimard - Paris.
Ghika, Matila C. "Le Nombrer D'Or - Gallimard - Paris.
Hanser, Arnold. "História Social da Arte e da Cultura - Lisboa.
Poincaré, Henri. "Ciência y Metodo" - Espaso Calpe - Buenos Aires.
Max, Raphael. "Pre Historic Cave Paintings, Pantheon Books, New York.