CO46: Etnomatemática: uma experiência em Aripuanã e Guarantã do Norte - Mato Grosso
Celso Ferreira da Cruz

RESUMO
O Projeto GerAção foi promovido pela Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso (SEDUC), que focalizava a formação de professores das séries iniciais do ensino fundamental em escolas municipais da zona rural de dois municípios do Noroeste de Mato Grosso (NORTÃO) Aripuanã e Guarantã do Norte. Pretendemos neste trabalho descrever uma prática Etnomatemática desenvolvida com os alunos em parceria com as comunidades locais que problematizou os processos cognitivos envolvidos na elaboração dos cálculos populares, quais sejam: sitiantes, empreiteiros, marceneiros e areeiros.

PALAVRAS-CHAVE:  Etnomatemática, Educar pela Pesquisa, Formação de Professores.

ABSTRACT
GerAção was a project promoted by the Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso (SEDUC), which aim was to graduate school teachers of the initial grades from the rural municipal schools of two small cities on the northeast side of Mato Grosso (Nortão), called Aripuanã and Guarantã do Norte. We intend, in our work, to describe an etnomathematic praxis developed by the students and the local community of these two cities altogether. Our aim is also to question the cognitive process involved in the making of the popular calculus. For doing so we have interviewed some farmers, woodworkers and sand workers among some others.
 

KEY-WORDS:  Ethnomathematic, To educate for the Resource, School Teacher Training.

INTRODUÇÃO
Contextualização:
A temática abordada neste trabalho de pesquisa trata-se da Etnomatemática como recurso pedagógico, valorizando a importância da pesquisa de campo, encarada como desafio ao universo de educadores que trabalham com formação de professores de Matemática.

Hoje, como bem explica GAZZETTA (1998) , a Matemática vem passando por uma grande transformação. Um grande fator de mudança é o reconhecimento do fato do ensino da Matemática ser muito afetada pela diversidade cultural. São inúmeras as contribuições de pesquisadores que mostram a vinculação entre os processos cognitivos e os contextos culturais.

Assim, um dos princípios da educação matemática  no Projeto GerAção é o proposto por GAZZETTA, (1998): é o reconhecimento das etnomatemáticas, procurando incorporá-las ao currículo das séries do ensino fundamental. Procurando trabalhar de forma que os professores cursistas se conscientizem do papel da Matemática em todas as sociedades. Através de pesquisas, tomam consciência de que as práticas matemáticas das reais necessidades e interesses dos povos. Aprendem, assim, a apreciar as contribuições de culturas diferentes das suas e a valorizar suas próprias heranças culturais, estabelecendo relações entre o estudo da Matemática e  História, Linguagem,. Artes e outras disciplinas.

Etnomatemática
D’AMBROSIO (1990) procura dizer que a Etnomatemática é a arte ou técnica de explicar, de conhecer,  entender e conviver nos diversos contextos culturais. Daí, nessa concepção, aproximaríamos de uma teoria de cognição.

SEBASTIANI (1997) diz que muitos matemáticos inovadores voltaram seus olhares para outro tipo de conhecimento, também ignorado pela escola: o conhecimento dos  vendedores de rua, do pedreiro, do marceneiro, do padeiro, do conhecimento das crianças brincando, da dona de casa cozinhando. Ensina que cada etnia constrói a sua Etnociência no processo de leitura do mundo – é a construção do conhecimento para a explicação do fenômeno.

Trabalhando com os sem-terra, GELSA KNIJNIK (1993) apud SEBASTIANI (1997), desenvolve o que chamou de Abordagem Etnomatemática, isto é: “a investigação das concepções, tradições e práticas matemáticas de um determinado grupo social, no intuito de incorporá-las ao currículo como um conhecimento escolar”.

OBJETIVOS
Tem como objetivo primordial valorizar a matemática dos diferentes grupos culturais, quais sejam: sitiantes, empreiteiros, marceneiros e areeiros. Propor uma maior valorização dos conceitos matemáticos informais construídos pelos alunos através de suas experiências, fora do contexto da escola, isto é, resgatar a cultura popular, e com isso, levar os alunos a compreender a sua realidade e interessar e respeitar a cultura do povo que realiza os cálculos de um método diferente dos livros e viabilizar propostas pedagógicas que venham trazer contribuições teórico-metodológicas no âmbito da Etnomatemática, principalmente nas séries iniciais lá no sertão (as áreas de estudo denominadas pelos envolvidos).

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
O trabalho foi realizado primeiramente no Pólo de Guarantã do Norte no período de 27 a 31/01/1997 e em Aripuanã de 08 a 18/07/1997, nos períodos matutino e vespertino, onde dividiram-se os cursistas (professores participantes do projeto sendo objeto alvo do processo) em vários grupos, e cada grupo escolheu seu sub-tema, totalizando em 20 (vinte) ocupações distintas, como: costureiras, carpinteiros, empreiteiros, marceneiros, madeireiros, oleiros, açougueiros, eletricistas, areeiros, cozinheiras, cerqueiros, armadores, horticultores. poceiros, sitiantes, pedreiros, serralheiros, vendedores de picolés, padeiros e pintores. Cada grupo encarregou-se de um sub-tema onde saíram a campo para a coletânea de dados através de entrevistas com questionários semi-estruturados com perguntas abertas. Feita a coletânea, cada grupo desenvolveu o seu sub-tema. O desenvolvimento das atividades partiu desde a escolha da problemática, elaboração de questionário para a coleta de dados, seqüências de coleta de dados e análise dos resultados, organização dos dados coletados, montagem de dados no relatório, apresentação em plenária, elaboração e reelaboração da pesquisa como um todo, conclusão e apresentação geral da pesquisa à comunidade, com participação de todos envolvidos.

DESENVOLVIMENTO DO TEMA
Tendo em vista a quantidade da modalidade de ocupações ser expressiva, delimitamos apresentação de somente quatro cálculos populares, tais como: sitiantes, carpinteiros (Guarantã do Norte) e, empreiteiros, areeiros (Aripuanã):
Carpinteiros: foram entrevistados quatro carpinteiros para constatar a construção de uma casa de 10m x 8m de madeira. Conforme um dos carpinteiros são necessárias 4m³ de tábuas, e para chegar a esse cálculo, utiliza-se o seguinte raciocínio: largura: 30 cm; comprimento: 3m; altura: 2,5 cm; total: 44 tábuas. O cálculo é feito da seguinte maneira: 30x2,5x3x44 = 990 dm³. Obs.: essa medida é vendida por 1 m³, mas na verdade, só chega a 990 cm³. Isso foi o que informaram, mas na realidade corresponde a 990 dm³. Eles calculam ainda a quantidade de assoalho, de forro, ripamento e cobertura.
Empreiteiros: foram entrevistados três empreiteiros de roçada, onde preferem fazer cálculos mentalmente: usando corda ou trena para medir as áreas onde vai trabalhar, se um dos lados forem de metragem diferentes, soma-se frente e fundo e divide-se por dois. No caso, a área é em forma de trapézio. Logo em seguida, soma-se com as laterais.
Areeiros: Segundo o entrevistado, utilizava-se pás, latas e carrinho de mãos. Disse que 50 latas correspondem a 1 m³, 250 pás correspondem a 1 m³, e 16 carriolas também corresponde a 1 m³. Utiliza um barco para a extração da areia e que consegue retirar aproximadamente 5 m³ a 6 m³ de cada vez. O tempo gasto para essa extração é de aproximadamente 8 a 10 minutos. E diz que vende mais ou menos 12 m³ por dia de areia.
Sitiantes: O entrevistado no seu plantio de café, utilizou o método para a medição do espaçamento das covas de mudas de café da seguinte maneira: mediu quatro palmos e quatro dedos em uma varinha que para ele correspondia aproximadamente 1 m, esticou então uma linha sobre o terreno, mediu três varinhas e meia sobre a linha, ele amarrava uma tira de pano e cada tira de pano, perfurava-se um buraco para plantar a muda de café, depois mudava-se a linha lateralmente no mesmo compasso, surgindo-se então as ruas do café, tanto na horizontal como na vertical.

RESULTADOS
Para a construção da casa são necessárias 44 tábuas de 30 cm x 3 m x 2,5 cm. A quantidade de assoalho é de 80 m². A quantidade de forro necessário para forrar uma casa desse padrão é de 103 m². Para o ripamento são necessários: 10 ripões de 11 m de 6x6; 7 vigas de 10 m de 6x12; 88 m de barrotes de 6x12; 6 travessas de 9 m de 6x12. Necessitam de 96 eternit  para cobertura, e em média 50 kg de pregos variados, e o tempo gasto para a construção são de 30 dias, trabalhando duas pessoas.
Já um dos empreiteiros sabendo que um alqueire mede 110 m, frente e fundo  e 220 m de laterais e quatro quartas resulta em um alqueire. Assim sendo: frente e fundo: 100+120=220:2=110 m, laterais, frente e fundo: 220 m.110 m=24.200 m. Chega-se ao resultado. O areeiro utiliza-se de três medidas (carriolas, latas e pás), uma carriola mede 62,5 litros ou 62,500 cm³, sendo 1000.000 cm³; 16 carriolas correspondem a 1 m³ de areia. Uma lata de areia mede 20 litros ou 20,000 cm³, sendo 1000.000 cm³ para 50 latas, correspondendo a 1 m³ de areia. Uma pá de areia mede 4 litros de areia ou 4000 cm³, sendo 1000.000 cm³ para 250 pás, correspondendo a 1 m³ e areia. Já o sitiante, observa-se que o mesmo criou uma medida padrão que corresponde a quatro palmos e quatro dedos, automaticamente, transformou essa medida em metros que é usualmente utilizado por todos.

CONCLUSÃO
Na etapa final os cursistas concluíram que o cálculo mental é muito utilizado por pessoas de idade entre 40 a 70 anos; e por crianças entre 7 a 15 anos, moradores nos municípios de Aripuanã e Guarantã do Norte que trabalham com atividades que inclui muito a matemática.
Entre os Carpinteiros, cada um tem a sua técnica para suprir as necessidades que o ofício exige. E o raciocínio que usam é sempre lógico e de experiências adquiridas na prática. Os empreiteiros que fazem seus cálculos mentalmente alegam “não acreditar em máquinas de calcular, pois muitas vezes falham nos resultados” e os que usam as calculadoras afirmam que é mais eficiente nos resultados. Percebe-se também que as pessoas com menos graus de escolaridade explicam os cálculos mentalmente com mais facilidade do que os de nível mais elevado. Os areeiros utilizam o raciocínio matemático utilizando latas, pás e carriolas de mãos e outros já preferem usar a medida que vem na caçamba, assim facilitando o cálculo. E, os sitiantes, utilizam-se parte do corpo, como: as mãos, os braços e pés, para medir o espaçamento das suas plantações.
Portanto, os professores deveriam estar resgatando através da pesquisa esses conhecimentos étnicos e levá-los a aperceber que este saber se encontra nos livros didáticos, mesmo que de uma forma diferente. E com isso, concluí-se que o conhecimento formal está presente no dia-a-dia das pessoas, mas as mesmas nem se dão conta disso. E para que haja mudanças é necessário educar o ser humano, conscientizando a busca, os conhecimentos que eram usados pelos antepassados, restituindo assim, valores esquecidos que poderão explicar vários conceitos do futuro. Apesar deste informante simples ser considerado ignorante, os mesmos possuem conhecimentos surpreendentes a respeito de técnicas matemáticas, possuindo assim, teoria e prática. O mesmo apenas não reconhece que isso seja a matemática formal, pois não usam e nem conhecem a nomenclatura.

BIBLIOGRAFIA

BRASIL, MEC. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Matemática. Brasília: MAEC/SEF, 1997.

D’AMBRÓSIO, Ubiratan. Educação matemática: da teoria à prática. Campinas:  Papirus, 1996.

_______. Etnomatemática: arte ou técnica de explicar e reconhecer. São Paulo: Ática,1990.

SEBASTIANI FERREIRA, Eduardo . Etnomatemática uma proposta metodológica. Rio de Janeiro: MEM/USU, 1997.

GAZZETTA, Marineusa. A matemática na Formação dos Professores das Séries Iniciais. In GERAÇÃO EM REVISTA. Edição Especial, SEDUC/MT, 1998, p. 31/32.

KNIJNIK, Gelsa.  Exclusão e resistência: educação matemática  e legitimidade cultural.
Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.