Número e vida cotidiana: representações entre jovens e adultos no morro de São Carlos


Maria Cecilia de CastelloBranco Fantinato



 O trabalho que venho apresentar aqui consiste numa reflexão sobre o momento que estou vivendo na minha pesquisa de Doutorado em Educação pela Universidade de São Paulo, sob orientação da professora Maria do Carmo Domite Mendonça. Trata-se de uma pesquisa em educação matemática,  que toma por referencial teórico as pesquisas em Etnomatemática, assim como outras áreas do conhecimento que têm sido vistas como necessárias para compreender o problema que vem sendo investigado, particularmente a Antropologia, a Educação e a Psicologia Cultural.
A proposta inicial era compreender como se dava a interação entre os saberes matemáticos informais de um determinado grupo de jovens e adultos, construídos em seus contextos de vida cotidiana - em espaços domésticos e profissionais - e os saberes matemáticos escolares, de característica mais formal. A idéia de trabalhar com a representação do número surgiu a partir de observações realizadas com duas turmas de jovens e adultos de um curso supletivo noturno, durante um período de pesquisa exploratória, no ano de 1998. Os registros numéricos desses alunos jovens e adultos apareciam, mesmo em contexto de sala de aula, através de formas originais, assim como as explicações dadas pelos sujeitos sobre os seus processos de cálculo e resolução de problemas envolvendo as quatro operações fundamentais. Desde então percebi a limitação que era trabalhar com jovens e adultos trabalhadores apenas no contexto escolar. O universo escolar era apenas um dos espaços onde essas pessoas construíam conhecimentos matemáticos, sendo que outros espaços, como o doméstico e o profissional, pareciam ser mais determinantes nos processos de construção de saberes, assim como nos significados atribuídos ao número nas situações em que este aparecia. Por exemplo, o fato de uma aluna cozinheira só compreender a palavra dúzia, que constava de um exercício escolar, quando inserida em um contexto de significado - dúzia de ovos - , ou a escrita de uma outra aluna, baseada na numeração falada (contendo mais algarismos do que os da numeração decimal), assim como o uso frequente de procedimentos de cálculo mental, dispensando as técnicas operatórias convencionais, eram características da representação do número em situação escolar que precisavam ser compreendidas com suas relações com as representações numéricas em contextos extra-escolares.
 A interação, portanto, entre esses conhecimentos construídos ao longo da vida, muitas vezes de maneira informal e os conhecimentos matemáticos escolares, parecia ser uma questão fundamental a ser elucidada, no sentido de vir a contribuir para as práticas pedagógicas em educação de jovens e adultos. Desconhecer esse cabedal de conhecimento prévio do aluno adulto nas propostas em educação matemática significa assumir uma concepção de ensino/aprendizagem “bancária”, usando o termo de Freire (1974) onde os conteúdos “ensinados” são depositados na mente do aluno. Levar em conta o conhecimento prévio do aluno implica em conhecer essa bagagem de saberes, assim como entender a forma como interagem com o que é ensinado formalmente na escola. E isso está longe de ser uma tarefa simples.
Algumas pesquisas analisaram características diferenciadoras existentes entre os conhecimentos informais  dos alunos  jovens/adultos e os conhecimentos escolares. Carvalho (1997:13) fala em diferenças entre uns e outros em relação, por exemplo, ao referencial no qual se validam:

“O conhecimento matemático da prática deve ser eficaz,, deve “funcionar”. Nem sempre a validação é pautada pela lógica dedutiva. As soluções estão impregnadas pelas condições circunstanciais nas quais o problema foi gerado.”

Já Fonseca (1999) propõe-se a estudar o que ela chama de “reminiscências” da matemática escolar de alunos jovens e adultos que retornam à escola fundamental.  Com efeito, esses alunos em sua maioria já tiveram alguma passagem pela escola, ainda que tenham sido dela precocemente excluídos, por fatores sócio-econômicos ou fruto de sucessivos fracassos escolares. Essas passagens deixam marcas, memórias de aprendizados, conceitos, regras ou simplesmente  rituais escolares, que interferem na forma de aprender matemática nesse momento de retorno aos bancos escolares.
 Estudar portanto os conhecimentos matemáticos prévios dos alunos jovens /adultos no momento em que esses se defrontam  novamente com o contexto escolar não significa classificar de forma dicotômica o escolar- o não escolar, mas sim aprofundar o conhecimento sobre como todos esses saberes – o informal, o escolar fruto de experiências passadas, o saber profissional, o formal – interagem na construção do conhecimento matemático do aluno. Esse entendimento passa pelo estudo de processos cognitivos, mas também passa pelo significado atribuído aos mesmos, aos valores implicados na relação com o conhecimento , à função social do mesmo.
A etnomatemática surgiu como uma alternativa teórica condizente com o problema que eu queria investigar, na medida em que tinha como objeto o estudo das formas de matematizar de grupos culturais específicos.  Como afirma o criador do termo , Ubiratan D’Ambrosio, em recente entrevista ao Jornal do Brasil (10/09/00):

“Matemática é uma manifestação cultural. Portanto, é fundamental reconhecer a presença das diferenças culturais na Matemática...Para se construir uma civilização em que não falte a eqüidade, a educação deve prestar atenção especial às culturas que vieram sendo subordinadas por muito tempo e dar prioridade ao fortalecimento dos setores excluídos das sociedades. A etnomatemática contribui pra restaurar a dignidade cultural e oferece as ferramentas intelectuais para o exercício da cidadania.”

A etnomatemática, ao trazer as diferenças na forma de pensar matematicamente para dentro do  contexto escolar, poderia contribuir para a mudança de práticas educativas elitizantes. No campo da educação de jovens e adultos, esse resgate da dignidade cultural , através do reconhecimento de estratégias de resolução de problemas que fogem da matemática convencional, atuaria positivamente num dos maiores inibidores da aprendizagem do aluno jovem/adulto, que é seu sentimento de autodesvalia.
Ao mesmo tempo em que a opção pela etnomatemática se apresentava como um caminho, também  trazia questões que necessitavam de serem respondidas. Uma delas dizia respeito à grande diversidade de grupos culturais existente em uma sala de aula, qualquer que ela seja. Assumir que uma sala de jovens e adultos, num contexto urbano, era um grupo homogêneo, seria incorrer num estereótipo de aluno jovem/adulto, seria, negá-los em suas singularidades. Como diz Oliveira(1999:5):

“...o problema da educação de jovens e adultos remete, primordialmente, a uma questão de especificidade cultural. É necessário historicizar o objeto da reflexão pois, ao contrário, se falarmos de um personagem abstrato, podemos incluir, involuntariamente, um julgamento de valor na descrição do jovem e do adulto em questão: se ele não corresponde à abstração utilizada como referência, ele é contraposto a ela e compreeendido a partir dela, e definido, portanto, pelo que ele não é.”

Em respeito à essa grande diversidade constatada entre aqueles que chamamos usualmente de jovens/adultos, não podíamos considerá-los um único grupo cultural, em virtude de diferenças existentes em relação à faixa etária, local de origem, atividades profissionais e outros fatores. Consciente desse fato, propus-me a estudar um grupo de jovens e adultos, que frequentavam um mesmo curso de alfabetização e séries iniciais, sem a ilusão de estar estudando um grupo cultural  homogêneo culturalmente como seria, talvez, uma tribo indígena do Xingú. Na busca de reduzir os fatores diferenciadores, procurei, na escolha do grupo a ser estudado, a identidade dos seus membros quanto ao local de moradia. O curso  de jovens e adultos por mim selecionado localiza-se dentro de uma comunidade de baixa renda da cidade do Rio de Janeiro – especificamente, o Morro de São Carlos – e todos seus alunos residem no local. Essa característica desse curso permitiria, não apenas reduzir o leque de diferenças entre os alunos, como também possibilitaria um estudo da vida cotidiana no morro, a partir da visão da pesquisadora e de seus interlocutores. Desse modo, ainda que parcialmente, os aspectos individuais dos sujeitos estariam sendo analisados a partir de um contexto social mais amplo que as paredes da sala de aula. Mesmo assim, este grupo está sendo visto não como um grupo cultural, talvez mais como um grupo social.
Os dilemas da pesquisa em etnomatemática no contexto urbano assemelham-se ao dilemas de uma ciência que lhe serve de fundamento, a Antropologia. Essa ciência, tendo tido suas origens históricas na investigação de grupos isolados da civilização ocidental colonizadora do século XIX, tem agora “...a necessidade de aplicar seus métodos, seus conceitos e paradigmas às ditas sociedades complexas”(Gusmão,1997:22); procura conhecer portanto outros mundos simbólicos no interior de nosso próprio mundo.  O estranhamento do familiar, exercício constante da prática antropológica, fica mais difícil de ser realizado num ambiente próximo do pesquisador. Tal desafio não é, no entanto, insolúvel, se há uma procura de exercitar o olhar sobre o outro a partir de uma vigilância crítica sobre como estamos interpretando o que o outro faz.
A minha pesquisa tem como um dos objetivos gerais analisar de que forma acontece a interação entre os saberes matemáticos informais dos alunos  jovens/adultos e os saberes matemáticos escolares , particularmente no que se refere à representação do número. Ela tem como eixo, portanto, o impasse entre a diversidade dos conhecimentos cotidianos e a homogeneidade do conhecimento escolar, a mesma discussão que enfrentam antropologia e educação quando se propõem a um diálogo. Como diz Gusmão (1997:10): “Avaliar a questão das diferenças, tão cara à antropologia e tão desafiadora no campo pedagógico justamente por sua característica institucional homogeneizadora, não é tarefa simples.”
 Esse impasse já aparece nas primeiras observações, ainda que essas tenham se concentrado prioritariamente no espaço escolar, situado nas dependências de uma igreja, dentro da favela. As atividades desenvolvidas por duas professoras do curso de jovens e adultos caracterizam-se por privilegiar o modelo único, a cópia, a resolução de cálculos pelos algoritmos convencionais, enquanto os alunos trazem uma diversidade enorme no que se refere a seus conhecimentos e experiências de vida. Apresentarei a seguir duas situações por mim observadas, que retratam essa contradição entre o heterogêneo e o homogêneo presentes no contexto escolar.
 Num certo dia , um aluno discordou do algoritmo  da subtração utilizado pela professora, dizendo: “o quando eu aprendi, pegava o menor e tirava maior...” e explicou em voz alta o seu  modo de fazer, completando, com certo tom de brincadeira: “não peço emprestado nunca...”. A professora, no entanto, reagiu defensivamente diante do saber do aluno, dizendo: “Do jeito que o senhor faz é bem mais complicado”, e mais tarde comentou comigo, com certo tom de satisfação, que ele fora ao quadro resolver do jeito dele e errara a conta. Naquele contexto não havia portanto espaço para os alunos expressarem seus saberes matemáticos, mesmo tratando-se de saberes escolares adquiridos em passagens anteriores pela escola, como era o caso desse aluno: em vez de haver uma integração, surgiu uma situação de conflito.
Às vezes esse conflito não é tão aparente, acontecendo uma certa negação por parte da professora dos conhecimentos matemáticos dos alunos. Numa  outra situação observada pela pesquisadora, a professora explicava à turma um processo de realizar  a tabuada de nove com o uso dos dedos das mãos. Motivado por aquela atividade, um aluno procurava mostrar à turma o seu jeito de multiplicar por nove usando as mãos: para cada nove que ia acrescentando, abaixava um dedo, dizendo: “...nove vez um, nove; nove vez dois, dezoito; nove vez três, vinte e sete...”. Utilizava os dedos como apoio de memória, para os fatores que ia multiplicando ao nove, a cada vez.  E realizava  mentalmente uma adição de parcelas iguais, sucessivamente. O aluno ainda comentou, aparentando um certo orgulho, que aprendera esse processo no trabalho. Mas a professora preferiu não fazer nenhum comentário e continuou a explicação do seu jeito de fazer a tabuada dos nove com as mãos. Talvez por desconhecimento, talvez para manter a relação de poder de “detentora do saber”, essa professora, assim como a anterior na situação relatada acima, perdeu uma oportunidade rica de estabelecer pontes entre os saberes matemáticos diversos que se faziam presentes nas situações. Como diz Gusmão (1997:17):
“Centrada num modelo cultural único e na necessidade de colocar sob controle o diferente, a sociedade ocidental constrói uma prática pedagógica também única e centralizadora.”.
Não é possível pensar-se a relação entre os saberes matemáticos informais e o saber matemático escolar sem considerar que se trata de uma relação de poder, política. Essa dimensão de poder fica clara nas duas situações descritas, pois aparentemente o que mais importou não foi o tipo de conhecimento que estava em jogo, mas quem trazia esse conhecimento para o diálogo. No primeiro caso, o aluno trazia um conhecimento do tipo escolar (um algoritmo da subtração que é ensinado em algumas escolas), mas de uma outra escola. No segundo caso, o processo de cálculo trazido pela professora, utilizando os dedos das mãos, aproximava-se mais dos saberes informais do que  dos saberes formais, pois estes últimos  privilegiam a escrita em detrimento da oralidade e do uso do corpo no ensino da matemática. A posição  hierárquica das professoras na relação com seus alunos determinou portanto o “vencedor” do embate, mais do que a natureza dos conhecimentos que estavam em jogo. A fala de uma aluna, dirigida à pesquisadora num dia em que eu me encontrava substituindo por alguns minutos uma das professoras, indica claramente uma certa consciência dessa desigualdade no diálogo pedagógico: “ O professor sempre sai ganhando....ele sempre sabe alguma coisa que o aluno não sabe!”. Naquele momento a pesquisadora encontrava-se associada ao papel de professora, pelo lugar onde se encontrava, e talvez pelo fato dos pesquisados terem sido informados  de sua condição de docente universitária. Monteiro (1998), em sua pesquisa num curso de alfabetização para trabalhadores assentados, observou que um dos entrevistados, quando diante da pesquisadora, passava  a adotar termos da matemática formal, mesmo que caíssem em contradição com  seus conhecimentos matemáticos informais, talvez por saber que a mesma era professora de matemática. Ou seja, a resposta do agricultor não representava apenas o que ele pensava, mas o que ele pensava diante daquela relação, que indubitávelmente era uma relação de poder. O professor de jovens e adultos não pode se esquecer, portanto, de que nas respostas de seus alunos está implícita a antecipação da resposta “correta” a ser dada e que existem outras respostas possíveis que eles seriam capazes de dar, mas que não o fazem, porque  os seus conhecimentos etnomatemáticos só são considerados válidos pelos mesmos no seu contexto de origem.
Esses exemplos por eles mesmos já apontam a insuficiência de estudos sobre a construção de conhecimentos matemáticos realizados apenas em contextos escolares. Alguns resultados iniciais de minha pesquisa de campo, particularmente nas entrevistas informais realizadas com alguns alunos, já apontam sobre uma representação diferenciada da matemática escolar em relação à matemática do cotidiano:

“...eu acho que uma não tem nada a ver com a outra. Porque...a que eu já sei, eu vivia já com ela sem precisar da que tô fazendo na escola.” (aluna 1)
“É diferente. Diferente e difícil....a da escola é mais difícil...porque tem que dar tudo certinho, não pode errar um algarismo...” (aluna 2)
“...a matemática do dia a dia a gente tem que tá sempre com ela na cabeça, né. E na escola, ali tá mais ligado na hora que a pessoa ...tá trabalhando todo mundo junto, em conjunto...” (aluno 3)
“ A de vezes é diferente. De vezes eu nem faço, só na escola mesmo...”    (aluno 4, referindo-se às operações que utiliza no seu trabalho)
“É...é porque é muito baixa, né...é muito...é muito fácil a matemática que ela bota lá, né. Eu digo assim, das conta de somar! (aluno 5, comentando sobre a matemática escolar)

 As diferenças apontadas dizem respeito a aspectos funcionais, cognitivos, culturais, sociais, econômicos. A representação do número na vida cotidiana passa portanto por uma visão global, não podendo ser analisada apenas do ponto de vista matemático. D’Olne Campos (1995:26), falando sobre etnociência – contexto dentro do qual podemos estabelecer uma analogia com a etnomatemática, fala que “não existe uma correspondência unívoca entre nossas áreas ou especialidades e aquelas próprias de outra cultura”. Esse autor aponta para a necessidade de uma abordagem transdisciplinar quando se está fazendo uma etnografia da ciência do outro. Assumir, por exemplo, um conhecimento matemático em uma cultura onde não existe a categoria “matemática” é assumir uma visão disciplinar a partir do referencial de nossa divisão metodológica do conhecimento. “Essa visão oculta os saberes que extravasam o recorte por nós praticado que nunca será o mesmo  entre diferentes culturas.” (D’Olne Campos, 1995: 33). No caso de nossa pesquisa, com jovens e adultos de um grande centro urbano, não se trata de um contexto onde não exista a categoria  “matemática”, mas sim de compreender como ela é representada por esses sujeitos em situações de vida, contexto muito mais amplo do que  o mundo  formal da escola.
A questão dos valores, por exemplo, está muito presente nas situações da vida cotidiana que envolvem uso de números ou operações. Conversando com diferentes alunos do curso, pude constatar uma certa semelhança na forma de administrar as despesas numa ida ao supermercado:

“...eu vou anotando o preço das coisas e vou anotando, mas sempre arredondando, tá, pra mim quando chegar na caixa num passar pela situação de não dar o dinheiro, né?...” (aluna 1)
“...Se uma coisa é dois reais e oitenta centavos, eu falo, é três reais. Eu falo assim...pra mim poder saber se o meu dinheiro vai dar pra mim pagar! Se uma coisa é um real e oitenta, eu falo, dois reais. Deu cinco e quarenta, eu ponho seis reais. Eu faço assim, que aí eu pago e sei que não vou passar vergonha no caixa.”(aluna 2)
“... O dinheiro que você...você ganha pouco...você vai no supermercado...se você não levar uma caneta...já...notando o que você...você vai pegando do supermercado e notando com a caneta...se você for comprar algumas coisinha...no caixa você passa vergonha! Porque você tá com pouco dinheiro, fica botando, enchendo o carrinho de...” (aluno 5)
“...porque às vez a gente pode chegar no mercado, e ir comprando...colocar aquilo no carrinho, na cesta, e a hora de chegar lá, daí o dinheiro não dá...Então já levo tudo anotadinho, vou pegando, vou colocando na cestinha e já vou...fazendo a conta.” (aluna 6)

 Esses exemplos indicam formas de organização doméstica onde a moeda circulante é o papel moeda, mas além disso são denotativos de sentimentos frente à possível situação do “passar vergonha no caixa” , sentimento este próprio de uma camada da população desvalorizada socialmente. Assim, a matemática e mais especificamente os cálculos numéricos – sejam esse feitos oralmente, por escrito, com o uso da calculadora – tem uma função  de ferramenta de adaptação frente aos impasses colocados pela vida em sociedade. O processo de arredondamento utilizado pelas alunas 1 e 2 atende à necessidade da situação, mas é visto como “coisa de dona de casa” (aluna 2), diferente dos métodos da escola, que exigem um precisão absoluta.
 As situações acima relatadas, apesar de constituirem uma pequena amostra dos dados da pesquisa etnográfica que me encontro ainda no momento realizando, já confirmam o meu pressuposto inicial de que estudar os processos de representação do número de jovens e adultos implicam num estudo de formas mais contextualizadas de uso da matemática. A etnomatemática é uma área que estuda as formas como os  diversos grupos culturais quantificam, organizam logicamente e espacialmente o seu mundo, e também como esses processos interagem com as demais formas de matematizar, como a matemática formal, por exemplo. Desse modo, meu estudo não pode prescindir de uma pesquisa de campo séria em contextos de vida diária dos alunos jovens adultos de São Carlos, sem descuidar de observações constantes na sala de aula.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Carvalho, D. L. “A educação matemática dos jovens e adultos nas séries iniciais do ensino básico” In Alfabetização e Cidadania 6, São Paulo: RAAAB, dezembro de 1997 (11-24);
D’Ambrosio, U. “Quem tem medo da Matemática?” Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, entrevista, 10 de setembro de 2000;
D’Olne Campos, M. “Discussão Teórico-Metodológica: Aspectos Etnocientíficos”, Relatório Técnico-Científico do projeto temático FAPESP: “Homem, Saber e Natureza” , vol. I, Campinas, Aldebarã: Observatório a Olho Nu / IFCH – UNICAMP, 1995;
Fonseca, M. C. F. R. “Algumas Reflexões sobre as reminiscências da Matemática escolar de alunos jovens e adultos que retornam à escola fundamental”. Anais da 22a Reunião Anual da Anped. Caxambu, Pôster apresentado, 1999;
Freire, P. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1974;
Gusmão, N. “Antropologia e educação: origens de um diálogo” In Cadernos Cedes 43, Campinas: CEDES/UNICAMP, dezembro de 1997 (8-25)
Monteiro, A. Etnomatemática: as possibilidades pedagógicas num curso de alfabetização para trabalhadores rurais assentados. Campinas, Faculdade de Educação da UNICAMP, Tese de Doutorado, 1998;
Oliveira, M. K. “Jovens e Adultos como sujeitos de conhecimento e aprendizagem” Anais da 22a Reunião Anual da Anped. Caxambu, Trabalho encomendado, 1999.