Modelagem &Etnomatemática: pontos (in)comuns

Maria Salett Biembengut



Introdução

 O impulso à criação é inerente ao ser humano. Um breve olhar ao nosso redor nos mostra variados exemplos da criatividade humana. Isso ocorre, em especial porque a natureza é pródiga em criações e a razão humana ao buscar compreender e expressar uma sensação provocada por uma imagem, um som, ou  uma  manifestação qualquer, procura relacioná-la com algo conhecido,  efetuando deduções, formando na mente uma imagem, uma representação, isto é, um modelo. “Pensar é uma forma de ação, e com muitas pessoas o poder de formar quadros mentais é limitado pela sua capacidade de estabelecer modelos da coisa imaginada” (CHILDE, 1971,p.47) .
Seja em prol da  sobrevivência, conforto e segurança,  seja na tentativa de "decifrar o desconhecido" o ser humano, por toda sua longa trajetória, vem a cada dia que passa, criando novas técnicas, novas economias, novas formas de representar alguma coisa. A história humana mostra que todas as sociedades procuraram desenvolver uma tecnologia que permitisse explorar recursos naturais de seu habitat o que  proporcionou a base para  outros aspectos da cultura.
Essa capacidade de modelar uma coisa imaginada é que impulsionou e impulsiona o ser humano a criações cada vez mais avançadas e ousadas. Como bem expressa MACHADO, “Agimos sobre a realidade por meio de nossas escolhas, buscando transformá-la no sentido de nossas aspirações ou conservá-las naquilo que nos parece caro” (2000, p.39).
A tecnologia, as técnicas ou os objetos de que hoje dispomos derivaram de criações mais simples. Mesmo aquilo que hoje nos parece simples, possivelmente já foi bem menos simples quando surgiu  considerando as habilidades e o conhecimento requeridos. O valor desse desenvolvimento está nas contribuições e nas modificações concebidas por muitos criadores e atores humanos, cuja apropriação de conhecimento necessário só  foi possível graças ao método de transmissão, seja pela tradição artesanal, pelo ensino, pelo preceito e exemplo dos mais velhos, pelas obras deixadas,  ou outra forma de comunicação. “Uma invenção não é uma mutação acidental do plasma germinativo, mas uma nova síntese de experiência acumulada que o inventor herda apenas pela tradição” (CHILDE, 1971, p.33).
Considerando que a matemática está inserida de alguma forma em todas as criações da humanidade e que toda tecnologia ou mesmo objeto, por mais simples que possa parecer, tem em sua raiz uma vivência cultural e uma abordagem de solução de algum problema da realidade, neste artigo, procuraremos abordar a idéia de modelar e de etno, em particular, ao que se denomina modelagem1 e etnomatemática e fazer algumas considerações sobre o uso destes métodos na educação formal [1].

A arte de se expressar matematicamente uma situação real ? modelagem matemática

2.1. A noção de modelo

A noção de modelo se faz presente em todas as áreas. Grosso modo, um modelo é um conjunto de símbolos os quais interagem entre si representando alguma coisa. Esta representação pode se dar por meio de um desenho ou imagem, um projeto, um esquema, um gráfico, uma lei matemática, dentre outras formas.  Na matemática, por exemplo, “um modelo é um conjunto de símbolos e relações matemáticas que traduzem, de alguma forma, um fenômeno em questão”  (BIEMBENGUT, 1999, p.20).
Um modelo não é um objeto, uma obra arquitetônica ou uma tecnologia, mas sim o projeto, o esquema, a lei  ou a representação que permite a produção ou  reprodução ou execução desta ação. Por exemplo, um carro ou um aparelho doméstico não são modelos, mas os projetos que os geraram, sim. Projetos que podem ser modificados, combinados ou alterados gerando, assim, outros modelos, por sua vez, outros objetos, outros métodos, outras técnicas. Como ilustra FANGE (1971:8),
“O primeiro automóvel foi uma charrete à qual se anexou um motor. Como ali não havia mais o cavalo para fazer virar as rodas dianteiras, estendeu-se para cima uma haste e a ela se fixou um guidão a fim de que o chofer pudesse dirigir o veículo. O advento do motor elétrico deu, também, início às atividades no campo dos modernos aparelhos domésticos. Desde então, o automóvel e os aparelhos domésticos têm tomado grande desenvolvimento pela adição de novos elementos, transformando-se nessas agradáveis utilidades que vemos em nossa vida moderna” .
Nenhum modelo ou forma de representar é casual ou rudimentar. É, antes,  a expressão das percepções da realidade, do desejo da aplicação, da representação. “Toda atividade criativa se origina, primeiro, da relação entre o indivíduo e o mundo objetivo do trabalho e segundo, dos laços entre indivíduo e os outros seres humanos” (GARDNER, 1996, p.09).
A história da humanidade apresenta uma infinidade de situações que impulsionaram a elaboração de modelos que se transformaram em objetos, obras, ações, métodos, tecnologia. A ponte pênsil, uma das grandes obras da engenharia, por exemplo, pode ter suas raízes na obra realizada pelos primitivos pigmeus das selvas do Congo. “Sem saber nadar, e à falta de toda espécie de embarcação, atravessavam uma correnteza, utilizando uma liana para um indivíduo saltar para o outro lado , levando a primeira corda, que depois será reforçada, a fim de completar a ponte." (HERSKOVITS, 1947, p.29).
Os exemplos acima são testemunhos de que um modelo pode ser derivado de outro e servir como base para outros que virão.  O valor do modelo vai além dos motivos de quem o modelou mas, essencialmente dos motivos daqueles que dele se servirão.
A representação ou reprodução de alguma coisa, ou seja, um modelo requer uma série de procedimentos que perpassam pela observação cuidadosa da situação ou fenômeno a ser modelado, pela interpretação da experiência realizada, pela captação do significado do que produz. Esse conjunto de procedimentos denomina-se de modelagem.

2.2. O processo de  Modelagem

 Modelagem é um conjunto de procedimentos requeridos na feitura de um modelo. Traçando um paralelo com as quatro condições estabelecidas por MATURANA e VARELA (1995, p. 71) para a proposição de uma explicação científica, os procedimentos podem assim ser sintetizados:
I .   “Fenômeno a ser explicado”:
Para que se possa explicar o fenômeno, inicialmente, procura-se reconhecer a situação-problema, familiarizando-se com ela e, então,  efetua-se uma  descrição detalhada.
II.   “Hipótese explicativa”:
         A partir da descrição, analisa-se criteriosamente o fenômeno, propondo um sistema conceitual, formulando hipóteses, identificando constantes e variáveis envolvidas, formulando e modelando a situação-problema.
III.   “Dedução de outros fenômenos”:
Uma vez modelada, resolve a situação-problema a partir do modelo, realiza-se uma aplicação e interpreta-se a solução, procurando, assim, descrever e deduzir ou verificar outros fenômenos a partir deste modelo.
IV.   “Observações adicionais”:
A partir dos resultados verificados e deduzidos da aplicação, efetua-se uma avaliação e validação do modelo e observam-se os outros fenômenos deduzidos.
O processo de modelagem pode ser utilizado em qualquer área do conhecimento. Na matemática, em particular, o processo de modelagem requer do modelador, dentre outras habilidades, conhecimento matemático e capacidade de fazer uma leitura do fenômeno sob uma ótica matemática. Nestes termos, o modelo é expresso em termos matemáticos (fórmulas,  diagramas, gráficos, representações geométricas, equações algébricas, tabelas, programas computacionais) que levam à solução do problema ou permitem a dedução de uma solução.
MATURANA e VARELA (1995, p.70) afirmam que “ uma explicação sempre é uma proposição que reformula ou recria as observações de um fenômeno dentro de um sistema de conceitos aceitáveis para um grupo de pessoas que compartilham um critério de validação”.
2.3.  Exemplo

  Para ilustrar, apresentamos  um modelo matemático elaborado sobre o plantio de macieiras. Este trabalho foi elaborado em 1984, com objetivos estritamente acadêmicos.
A cultura de maçãs na região de Fraiburgo, Estado de Santa Catarina, é bastante desenvolvida devido ao clima e solo propícios. Para a formação de pomares existem várias opções quanto ao espaçamento entre as macieiras distribuídas ao longo de uma fila. Alguns fruticultores preferem plantar mais macieiras por hectare, outros optam por uma distância maior  ao longo da mesma rua supondo ser esta responsável por uma maior produtividade. A questão é saber: qual a distância ideal entre uma macieira e outra na mesma rua para que se tenha uma máxima produção?  Para poder obter uma solução, passamos aos procedimentos da modelagem.

I .   “Fenômeno a ser explicado” :
Para um reconhecimento da situação-problema e familiarização com ela, foi feito um levantamento de dados sobre  a macieira, como: tempo de desenvolvimento da planta e do fruto, condições de clima e solo favoráveis, período de poda, tipos de pragas mais comuns, forma e local em que vem sendo cultivada, dentre outros e, em seguida, descrevemos  a situação, procurando expor  cada fato ou fenômeno. Por não ser objeto deste artigo, deixaremos de detalhar os dados levantados sobre o cultivo de maçã.

II. “Hipótese explicativa”:
 Para poder propor um sistema conceitual e formular hipótese, inicialmente, utilizamos alguns dados experimentais fornecidos por um órgão de pesquisa responsável, a EPAGRI2 da região:

Distância (d) Quantidade de maçãs (q)
1,00 240
1,50 360
2,00 456
2,50 532,80
3,00 594,24
 

Para formular o modelo, inicialmente, consideramos uma região plana quadrada de área igual a um hectare.
Temos que a produção (P) de maçãs é uma função da distância (d) entre dois pés de maçãs consecutivos da mesma rua e a quantidade (q) de maçãs por pé. Descrevendo em termos matemáticos, vem:
P  =  P (d,q)  =  (peso de 1 maçã ? quantidade de maçãs por planta) ? (número de plantas por rua ? quantidade de ruas) ? (quantidade de caixas)    ou
P (d,q)  =    (  ? q) ? (   ? 25) ?     =
Portanto, a produção é diretamente proporcional à quantidade de maçãs por macieira e inversamente proporcional à distância entre dois pés consecutivos da mesma rua.
Podemos, ainda, expressar a produção (P) em função de somente uma variável. Neste caso, vamos encontrar a relação entre a quantidade de maçãs (q) e a distância (d) entre um pé e outro da planta. Os dados são:

d (em metros) q (quantidade de maçãs)
1,00 240
1,50 360
2,00 456
2,50 532,80
3,00 594,24

Considerando os dados descritos obtemos a expressão matemática:
P(d)   =  125 ?
Onde:
P(d) é a produção de maçãs em relação a distância
d é a distância entre um pé e outro de maçã.

A função acima, que representa a produção de maçãs pela distância entre uma macieira e outra, em um terreno quadrado medindo um hectare, pode ser considerada um modelo, neste caso, um modelo matemático.

III.   “Dedução de outros fenômenos”:
O procedimento agora é resolver o problema, a partir do modelo, interpretar a solução efetuando uma descrição e dedução de outros fenômenos. A resolução desse modelo requer o uso de vários conceitos e técnicas de Cálculo Diferencial Integral e Numérico. Por não ser objeto deste trabalho detalhar a resolução, passamos, a seguir, a resposta encontrada.
Pela resolução obtém-se que a distância ideal para uma  máxima produtividade é de 1,215 metros. Os fruticultores dessa região procuram formar seus pomares utilizando um espaçamento entre 1,0 a 1,5 metros na distribuição dos pés de macieira ao longo da mesma rua.
IV.  “Observações adicionais”:
Para validar o modelo seria necessário efetuar o plantio de um pomar em caráter experimental e observar não somente o crescimento, mas também outros fenômenos que possam ocorrer com a utilização deste modelo. A distância entre macieiras não é a única variável na formação de um pomar. Há muitas outras variáveis a serem observadas para a melhoria do fruto, seja o tempo de crescimento, sabor, tamanho, cor, dentre outros. Neste trabalho, não validamos o modelo por razões que já expomos no início desta seção.

2.4. Pontos a considerar

O exemplo acima não passa de uma idéia muito sintética e, por que não dizer, muito simples do processo de modelagem. No processo de modelagem, cada etapa envolve uma gama de procedimentos, técnicas, conceitos e teorias específicos das áreas envolvidas. Além disso, requer do modelador  criatividade, intuição e senso lúdico para jogar com as inúmeras variáveis envolvidas.
Embora a modelagem perfaça o caminho da investigação científica, não é uma metodologia exclusiva dos cientistas. No dia-a-dia, em muitas atividades, é “evocado” o processo da modelagem. MACHADO expressa que “ na ciência ou nas profissões, no universo do conhecimento ou no do trabalho, a idéia de projeto há muito sobressai no círculo restrito das noções verdadeiramente iluminadas, de caráter enciclopédico, transcendendo as fronteiras das disciplinas  constituídas e das temáticas supostamente especializadas.” (2000, p.30)

A arte de explicar as práticas matemáticas de uma cultura social ? Etnomatemática

Todas as culturas sociais possuem um legado de conhecimentos, conduta e regras que procuram transmitir às gerações tornando assim possível o elo e a continuidade das culturas. Esse conhecimento, em grande parte, é gerado pelas necessidades práticas da realidade. Conforme D’Ambrósio, “toda atividade humana resulta de motivação proposta pela realidade na qual está inserido o indivíduo através de situações ou problemas que essa realidade propõe [...]” (1998, p.6).
A matemática, tanto quanto a escrita, é uma conseqüência dessas necessidades. Na maioria dos objetos, técnicas, tecnologias de quase todas as culturas sociais desde as mais primitivas, a matemática se faz presente, em maior ou menor grau de complexidade, implícita ou explícita. A idéia de medir, por exemplo, como bem expressou CHILDE,  “é tão velha quanto a indústria humana. Não se pode colocar uma corda num arco, nem um machado em seu cabo, sem medir” (1971, p.138) .
Conhecer, entender e explicar  um modelo ou mesmo como determinadas pessoas ou grupos sociais utilizaram ou utilizam-no, pode ser significativo, principalmente, porque nos oferece uma oportunidade de “penetrar  no pensamento”  de uma cultura e obter uma melhor compreensão de seus valores, sua base material e social, dentre outras vantagens.
 A “arte ou técnica de explicar, de conhecer, de entender nos diversos contextos culturais” é o que D’Ambrósio denomina de etnomatemática. Segundo D”Ambrósio,  a etnomatemática “é um programa que visa explicar os processos de geração, organização e transmissão de conhecimento em diversos sistemas culturais e as forças interativas que agem nos e entre os três processos (1998, p.7).  Por esta definição, entendemos que o pesquisador na etnomatemática envereda-se pela epistemologia, sociologia, antropologia e, muitas vezes, pela arqueologia.

3.1. Exemplos
Para ilustrar o processo da etnomatemática, vamos utilizar os exemplos apresentados anteriormente referentes à ponte pênsil e à plantação de macieiras e as quatro condições estabelecidas por MATURANA e VARELA (1995, p.71) para a proposição de uma explicação científica.

3.1.1. Ponte pênsil dos primitivos pigmeus do Congo

Conforme expusemos acima, os primitivos pigmeus do Congo, mesmo sem saber nadar, faziam suas pontes pênseis.  Para entender o conhecimento matemático que esses primitivos dispunham para a feitura de suas pontes pênseis, em particular, o pesquisador precisará recorrer à história da humanidade. As deduções levantadas poderão ser validadas pela  antropologia e/ou arqueologia.

I .   “Fenômeno a ser explicado”:
O primeiro passo seria buscar conhecer a situação vivenciada por esses primitivos pigmeus, por exemplo, as condições geográficas e climáticas da região na época, a forma de organização social, o tipo de habitação, os materiais e as técnicas utilizados, em particular sobre a ponte pênsil (forma, dimensão, materiais, etc.). A partir desses dados, descrever cuidadosamente os fatos.
II.   “Hipótese explicativa”:
 A partir do tipo de habitação e materiais utilizados, por exemplo, pode-se formular algumas hipóteses ou proposições sobre o conhecimento que tinham sobre distância, medidas ( comprimento, superfície, massa, volume), formas geométricas, força, dentre outros.
III.   “Dedução de outros fenômenos”:
A partir do sistema conceitual, passa-se a deduzir que estratégias utilizaram na feitura da ponte pênsil, bem como, os conceitos matemáticos aplicados e a forma que, possivelmente, foram aplicados, fazendo um paralelo entre a matemática acadêmica ou clássica e a matemática utilizada por esses primitivos em suas atividades práticas
IV.   “Observações adicionais”:
O passo final desta pesquisa, para efeito de comparação, poderia ser a  de verificação do desenvolvimento dos descendentes desses pigmeus, na feitura, manutenção e utilização de pontes pênseis deduzindo como pode ter ocorrido  a transmissão desses conhecimentos, por exemplo.

3.1.2.  Produtores de Maçãs

Neste exemplo, o pesquisador deve procurar conhecer como um produtor utiliza “modelos” de plantio (possivelmente seus conhecimentos foram adquiridos pela experiência e por herança de antepassados). A pesquisa pode ser feita diretamente com o produtor, por meio da observação e conversas informais sobre sua atividade.

I .   “Fenômeno a ser explicado”:
 O primeiro passo seria fazer uma visita a um pomar, consequentemente a um produtor, e procurar conhecer, por exemplo, como faz o plantio, as condições necessárias do terreno e do clima, a produtividade, os materiais e técnicas utilizados, descrevendo detalhadamente esses dados.
II.   “Hipótese explicativa”:
No plantio, a forma utilizada pelo produtor, como: organização do terreno, aragem e adubagem da terra, espaçamento entre uma planta e outra, cuidado e proteção dos frutos, época e forma de colheita, armazenamento e transporte dos frutos permitirão efetuar hipóteses e proposição de um sistema conceitual sobre concepções matemáticas de que dispõe um produtor. É importante verificar, também, quando, como e através de que ou com quem adquiriu esse conhecimento.
III.   “Dedução de outros fenômenos”:
A partir do sistema conceitual, passa-se a fazer um paralelo entre os conceitos matemáticos formais e a conceitos matemáticos utilizados pelo produtor , procurando deduzir como se dá a concepção matemática do produtor de maçã, de que maneira a cultura social influenciou e influencia nestas concepções e o grau de validade das estratégias por ele utilizadas nas atividades práticas.
IV.   “Observações adicionais”:
A partir dos dados da investigação, o pesquisador pode procurar  verificar se nos casos em que o produtor recebe orientação de técnicos ou especialistas da área (a partir de pesquisa para melhoramento da produção) ele modifica sua concepção matemática e, consequentemente, sua prática.

3.2. Pontos a considerar

Pelo exposto, entendemos que o indivíduo busca resolver suas situações da realidade procurando representar ou fazendo uso de uma representação, ou seja, modelando ou utilizando-se de um modelo. Por outro lado, nenhuma ação é isolada ou desprovida de significado. Toda ação está inserida em um contexto sócio-cultural, portanto, sofre influência deste, da mesma forma que tal ação também exerce uma influência neste contexto. “O cérebro produz a mente que, por meio de linguagem, vai à sociedade, onde interage com outras mentes, formando-se assim a mente social, que por sua vez retroage sobre a dos indivíduos e assim por diante, numa circularidade que se acrescenta e se modifica a cada giro” (MARIOTI, 2000, p.94).
Esse contínuo crescer e modificar expõe o sentido de educação como um processo por meio do qual o conhecimento é transmitido de uma a outra geração. Cabe à educação formal prover o indivíduo de um conhecimento que lhe permita assegurar condições adequadas para si e demais indivíduos da sociedade e ao mesmo tempo valorizando e respeitando as expressões da cultura social que herdou e as que estão no porvir.

Modelagem e Etnomatemática no ensino de matemática

A modelagem matemática é área de pesquisa voltada à elaboração ou criação de um  modelo matemático não apenas para uma solução particular, mas como suporte para outras aplicações e teorias. E a etnomatemática é a área de pesquisa que procura conhecer, entender, explicar como uma pessoa ou um grupo de uma cultura social elaboram um modelo matemático  ou fazem uso deste modelo em suas atividades práticas. Enquanto a modelagem está inserida no contexto da metodologia[3], a etnomatemática  no da epistemologia[4] .
Como perfazem o caminho da investigação científica não podem deixar de serem consideradas no contexto escolar como métodos de ensino e pesquisa,  uma vez que oportunizam ao aluno aprender a arte de modelar, matematicamente, bem como a arte de explicar as práticas matemáticas de culturas sociais.
Embora haja consenso quanto à importância da matemática na formação do alunos, ainda se dá um valor indevido ao  conhecimento livresco, em contraste com a experiência e a observação das questões que nos envolvem na realidade. Isso porque, “De modo geral, na escola básica, as disciplinas são tratadas, freqüentemente, como ‘culturas’ independentes, com metas próprias e fracas interações, constituindo um cenário muito favorável a manifestações de intolerância [...]”  (MACHADO, 2000, P. 52).
O conhecimento tem que ser adquirido mediante a aprendizagem. Neste sentido, a modelagem matemática ou a etnomatemática na educação formal de matemática podem propiciar ao  aluno em qualquer nível de escolaridade, uma aprendizagem mais significativa possibilitando:
? melhor  apreensão dos conceitos matemáticos frente à aplicabilidade;
? integração da matemática com outras áreas do conhecimento;
? estímulo à criatividade na formulação e resolução de problemas;
? discernimento de valores e concepções dos antepassados.
? valorização das competências das culturas sociais;
? realização de pesquisa científica.
A forma de implementação da modelagem ou da etnomatemática, ou de ambas, simultaneamente,  no ensino-aprendizagem depende, dos objetivos do ensino, bem como do grau de escolaridade, faixa etária, interesse dos envolvidos, o currículo e as propostas pedagógicas da comunidade escolar. Cabe ao educador adaptar e adequar essas variantes conforme o caso.
Seja qual for o caso, frente ao sentido da educação como processo, vale a pena considerar um processo ou outro tendo em vista que ambos oportunizam ao aluno aprender pela experiência.
“Conhecer é fazer e fazer é conhecer”, conforme MATURANA e VARELA (1995). “Todo ato de conhecer produz um mundo.[...] O produzir do mundo é o cerne pulsante do conhecimento, e está associado às raízes mais profundas do nosso ser cognitivo, por mais sólida que nos pareça nossa experiência. Não há uma descontinuidade entre o social e o humano e sua raízes biológicas. O fenômeno do conhecer é um todo integrado, e todos os seus aspectos estão fundados sobre a mesma base” (1995, p.71).
As pesquisas realizadas utilizando-se da modelagem e/ou da etnomatemática no ensino de matemática têm mostrado que mais que conhecimento de regras matemáticas, está proporcionando ao aluno valores culturais e alguns princípios gerais concernentes ao papel desempenhado por nós enquanto indivíduos responsáveis pela realidade que nos cerca. Conforme bem expôs HERSKOVITS, “entre os índios apaches Chiricahua, a lembrança de sua aprendizagem é sinônimo da consciência do eu" (1947, 107).

Bibliografia
[1] BIEMBENGUT, Maria Salett. Modelagem Matemática & Implicações no Ensino-Aprendizagem de Matemática. Editora da FURB: Blumenau, 1999.
[2] BIEMBENGUT, Maria Salett e HEIN, Nelson. Modelagem Matemática no Ensino. Editora Contexto: São Paulo, 2000.
[3] CHILDE, Gordon V. A Evolução cultural do Homem, Tradução de Waltensir Dutra. Zahar Editores: Rio de Janeiro, 1971
[4]  D’AMBRÓSIO, Ubiratan. Etnomatemática: Arte ou Técnica de Explicar e Conhecer. 3a ed. São Paulo: Editora Ática, 1998.
[5]  FANGE,  Eugene K. Von. Criatividade Profissional. São Paulo: Editora Theor S/A, 1971
[6]  GARDNER, Howard. Inteligências Múltiplas: a teoria na prática, Tradução de Maria Adriana V. Veronese. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.
[7]  HERSKOVITS, Melville J. Man and His Works, Tradução de Maria José de Carvalho e Hélio Bichels. Editora Mestre Jou: São Paulo
[8]  MACHADO, Nilson José. Educação: Projetos e Valores. São Paulo: Escrituras Editora, 2000.
[9]  MARIOTTI, Humberto. As Paixões do Ego. São Paulo: Palas Athena, 2000.
[10] MATURANA, Humberto R. e VARELA, Francisco G. A Árvore do Conhecimento, tradução de Jonas Pereira dos Santos. Editora Psy II: Campinas, 1995.