Conectividade: O Gargalo da Internet para a Educação


A década de 90 tem se caracterizado pelo avanço da comunicação através das  redes de computadores, o que culminou no fortalecimento da Internet, por vezes chamada de "Rede das Redes". O fortalecimento desta nova tecnologia da comunicação não é privilégio apenas de países onde os meio de telecomunicações estão em pleno desenvolvimento. Dados recentes indicam que a Internet no Brasil cresceu no primeiro semestre de 1996 praticamente duas vezes mais que a média mundial. No fim daquele semestre, o número de hosts no Brasil, projetados pela ANSP (Academica Network at Sao Paulo) beirava os 30 mil. O país vive hoje uma verdadeira explosão do número de domínios comerciais, que já ultrapassaram os 10 mil em fevereiro de 97, totalizando pouco mais de 35 mil hosts, segundo dados da RNP (Rede Nacional de Pesquisa). Da mesma forma, o interesse pela fatia comercial da Rede é compartilhado por todos os países que a integram, o que tem levado os meios acadêmicos norte-americanos a discutir a idéia de segregação dos domínios, propondo uma nova estrutura, a Internet fase II, com largura de banda uma ordem de grandeza superior a existente, exclusivamente para o segmento acadêmico-científico.

Por outro lado, a utilização de redes de computadores para fins educacionais também tem mobilizado esforços de diversos segmentos da sociedade. A Telemática já surge como área de investigação nos meios científicos brasileiros, estabelecendo parcerias importantes entre as universidades e escolas de ensinos fundamental e médio. Desde 1988, o Núcleo de Pesquisas das Novas Tecnologias de Comunicação Aplicadas a Educação (A Escola do Futuro) agrega pesquisadores da USP empenhados no desenvolvimento de projetos educacionais alicerçados na Telemática, que são compartilhados com diversas instituições públicas e privadas de ensino de 1o. e 2o graus. O interesse por temas curriculares tem aumentado entre os estudantes que se encontram conectados a rede. A procura por informações sobre assuntos da química normalmente ensinada no 1o. e 2o graus no sítio da Sociedade Brasileira de Química levou-a a oferecer um serviço de orientação para os estudantes, que fazem uso do extenso banco dinâmico de informações propiciados pela Internet. Em nível de pós-graduação, a Universidade Federal de Santa Catarina mantém cursos regulares na área de engenharia de produção, através de vídeo-conferências, integrando outras seis universidades catarinenses e diversas empresas, através da Rede Catarinense de C&T.

Além da farta quantidade de informações, que pode e deve mesmo ser criticamente analisada de forma a evitar a dispersão e contaminação no processo de busca das mesmas, uma outra virtude da comunicação em rede para fins educacionais é o compartilhamento de novas experiências entre professores e estudantes. De simples receptores do conhecimento, normalmente através de livros-textos pouco confiáveis, um novo papel passa a ser desempenhado pelos atores do processo ensino-aprendizagem, qual seja, a (re)produção e publicação compartilhada de conhecimento, através de novas ferramentas, como o hipertexto. A contribuição da produção de textos para a assimilação crítica do conhecimento é inestimável e, sendo ajuntada à própria necessidade de leitura destes documentos, resgata-se através desta nova tecnologia um processo milenar de geração e transformação do conhecimento pelo homem: a leitura e a escrita. Novas variáveis, como estruturação, ligação com outras fontes de informação, incorporação de recursos áudio-visuais, personalização da leitura e escrita, enriquecem o ambiente de trabalho da sala de aula, que ganha uma característica de virtualidade, desconhecida até então. A incorporação do hipertexto pela Internet, principalmente a partir da implementação dos primeiros navegadores, está diretamente relacionada à explosão do interesse do público em geral pelos serviços da Rede. Novas opções interativas de lazer, compras e relacionamento alavancam a participação massiva de empresas comerciais, que passam a competir com as instituições de finalidades educacionais pela largura de banda. Se, por um lado, o surgimento do hipertexto cria novos horizontes para o processo ensino-aprendizagem, por outro, o vôo nestes céus virtuais pode estar seriamente comprometido, caso não surja uma alternativa eficaz para o problema de conectividade das instituições educacionais.

Mais recentemente, a Internet tem conhecido uma nova onda, que se trata da incorporação de recursos áudio-visuais em tempo real. Estes recursos tem possibilitado o acompanhamento de programas televisivos normalmente veiculados em broadcasting, sendo anunciados desde a programação rotineira das TVs, até eventos dirigidos para públicos específicos da Rede. As conseqüências deste avanço tecnológico para fins educacionais são notórias, principalmente quando se permite a interatividade entre a fonte emissora da programação e o público alvo. As vídeo-conferências são um produto natural da incorporação do vídeo interativo pela Rede, especialmente úteis para fins educacionais, uma vez que possibilitam a interrelação entre comunidades distantes em tempo real.  No entanto, surge novamente o problema da largura de banda, que pode limitar o trânsito deste tipo de serviço às redes locais, configuradas sobre linhas velozes de comunicação. Algumas soluções têm sido propostas para se evitar o congestionamento da Rede com dados de imagem e voz, como a criação de túneis virtuais, que acondicionam estes dados em rotas definidas entre endereços internet, o chamado Multcasting-backbone. Mesmo estas tentativas de racionalização do uso da Rede tendem a se esgotar, conforme o número e a exigência dos usuários por recursos de imagem e som aumentem. Observa-se novamente que as condições de conectividade podem limitar a implementação e desenvolvimento de um serviço de rede altamente desejável para as instituições educacionais.

Do exposto, percebe-se que a plena incorporação da Telemática pelas instituições educacionais depende de condições adequadas de conectividade. Tendo em vista que o sistema de telefonia brasileiro não consegue absorver a demanda pelo acesso à Rede, tanto por questões de limitação de velocidade, como estabilidade e qualidade das conexões, passando até pela quantidade de linhas disponíveis no mercado, duas soluções têm sido apresentadas no sentido de resolver o problema da conectividade. A primeira, dita sem-fio, está baseada em comunicação por satélite ou antenas de radio. Esta alternativa, quando não esbarra em limitações tecnológicas, ainda apresenta um custo-benefício muito elevado, o que inviabilizaria a extensão de projetos educacionais pela via Telematica às instituições de ensino fundamental e médio, notadamente as públicas. A outra alternativa utiliza meios físicos sólidos, como os cabos de par-trançado e das TVs com distribuição de sinal digital. No Brasil, a utilização de par-trançado de cobre, para se conseguir taxas eficientes de comunicacao de dados, passa pela adequação tecnológica das centrais telefônicas e mudanças nas leis de regulamentação da transmissão de dados por este meio. Este caminho é viável, mas envolveria um esforço político e financeiro muito grande, num domínio que as universidades tem pouco a contribuir.

Já a utilização das TVs a cabo como opção de conectividade apresenta para as instituições educacionais diversas vantagens, tais como:

    Existência de uma rede que permite bidirecionailidade na comunicação, em velocidades compatíveis com as exigências de som e imagem em tempo real. As redes de TV a cabo brasileiras, por serem mais recentes, incorporam tecnologias digitais, que permitem recepção e envio de dados por parte de cada ponto de presença.
    Baixo investimento das provedoras de TV para incorporar a transmissão de protocolos de comunicação utilizados na Internet. Basicamente, a manutenção de roteadores e de equipamentos para a terminação da rede (head-end).
    Baixo investimento do usuário final, que precisaria adquirir um modem especial (cable-modem), cujo preço hoje gira em torno de US$800, além da própria manutenção de assinatura.
    Largura de banda compatível com o oferecimento de serviços de imagem e som em tempo real. Velocidades de até 30 Mbps para recebimento e 3 Mbps para envio de dados foram conseguidas entre os fabricantes de cable-modem.

Naturalmente, alguns problemas ainda devem ser resolvidos, como a própria padronização das soluções oferecidas pelos fabricantes de cable-modem. Um outro problema diz respeito a legislação brasileira sobre o assunto, que tem sido revista por conta das alterações no sistema de telecomunicações do país. Estes problemas iniciais têm sido superados por uma equipe do Centro de Computação da UNICAMP, que está mantendo um serviço experimental de conexão com a TV a Cabo Campinas há cerca de um ano, conseguindo integrar cerca de 100 pontos a velocidades de 10/1 Mbps.

É preciso incentivar parcerias entre os centros aglutinadores do conhecimento de comunicação em rede, as provedoras de TV a cabo e as empresas que oferecem soluções de conectividade, para que a Telemática ultrapasse este gargalo técnico e possa contribuir para a solução dos problemas educacionais no país. Neste sentido, a USP, que possui a maior rede de computadores ligada a Internet brasileira, deve mobilizar seus esforços para buscar estas parcerias. A contribuição da Universidade para superar as dificuldades de conexão à Rede produziria não somente o escoamento imediato do conhecimento represado para a comunidade, mas principalmente a potencialização do mercado de trabalho para absorver os recursos humanos por ela formados; assunto da mais alta importância para o cenário atual.

Por Marcelo Giordan
Artigo orginalmente publicado em Jornal da USP , , p. 2, 1997.

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Atualizado em 20/04/2000