Educação e Comunicação: alguns aspectos da educação a partir da história das redes de comunicação


        A discussão sobre a presença das novas tecnologias da comunicação no processo educacional já conta com um vasto acervo de opiniões e posições, sendo que podemos considerar a maioria delas como de aceitação, vendo a relação educação e novas tecnologias como potencialmente portadora de inovações tais que permitiriam à educação uma renovação ou até mesmo sua mudança radical.
        Ao invés de entender esta relação a partir das possibilidades ou não que seriam abertas para a educação, procuro refletir neste artigo como o caminho até hoje percorrido pelas redes de comunicação indicam uma mudança para a educação.

A “breve história” das redes de comunicação

        Para falar em história das redes de comunicação no atual mundo globalizado, seria necessário descrever as alterações sofridas até então e verificar o alcance para a sociedade, particularmente para a educação, que foi obtido. Entretanto, utilizaremos aqui uma visão ampla sobre história, pontuando nossa reflexão em dados específicos do caminho até aqui percorrido pelas redes de comunicação.
        As redes de comunicação tiveram início no final da década de 60, quando as primeiras formas foram estabelecidas através da ARPANET, “unindo” quatro universidades norte-americanas (Santoro, 1994). Sem dúvida, este momento marca o início de uma nova etapa do processo de comunicação, abrindo a possibilidade de troca de informações por meio eletrônico. Deve-se considerar que o sistema adotado (“packet switching”) traz no seu bojo o intuito de permitir que dados sistematizados em determinado local possam ser “transportados” a outros e daí receber sua réplica.
        O advento da Internet data de 1983 e é a consolidação de uma dentre as diferentes formas de redes até então em vigor, através da aplicação de um determinado protocolo (TCP/IP), configurando assim um padrão “mundial” de comunicação. Vale ressaltar que é neste momento que o uso militar das redes de comunicação ganha um espaço específico, distanciando-se dos demais usos.
        Aos poucos a Internet vai se impondo enquanto padrão de comunicação, tendo no advento da World Wide Web (WWW) seu grande impulso para mundialização na medida em que sua interface gráfica (dinamizada com o primeiro software de navegação – Mosaico) tornou a utilização da rede mundial de comunicação algo mais amigável (Maddux, 1997).
        Como vimos, falar em história das redes de comunicação parece um pouco apressado, pois somente a partir do final dos anos 60 é que se configura enquanto tal, permitindo a troca de informações e acesso a banco de dados distantes. Mesmo assim, podemos refletir sobre o significado desta “breve história” das redes de comunicação.
        O que se destaca neste processo é a possibilidade de ampliação da comunicação, agora através de uma troca, ou seja, o envio de dados e informações e a recepção de um outro pacote contendo também dados e informações.
         A evolução técnica, por vezes, esconde a perspectiva que foi se tornando o padrão da comunicação por redes. É fácil perceber a evolução da técnica de comunicação. Não quero dizer com isso que o caminho percorrido foi feito sem obstáculos ou vacilações. Ao contrário, não vejo como se pode reduzir a comunicação por redes à análise da simples evolução do domínio de uma técnica. É interessante perceber que este domínio se concretizou na medida em que uma determinada perspectiva de comunicação foi se impondo, permitindo uma ampliação das formas de seu estabelecimento.
        A apresentação gráfica mais amigável, através da WWW, é outro fator determinante para o aprofundamento e ampliação da comunicação por redes, na medida em que trouxe para um plano mais simples (visual) a possibilidade de troca de informações e dados.
        Esta breve história das redes de comunicação denuncia a modificação do processo de comunicação, introduzindo a possibilidade de comunicação virtual/on line, ou seja, as barreiras de tempo e espaço são deslocadas para um outro plano, não mais se impondo àqueles que desejam se comunicar.

Educação e Comunicação em tempos de rede

        A utilização de técnicas específicas no processo de ensino-aprendizagem não é estranha à educação. No Brasil, as primeiras experiências educacionais organizadas já aplicavam técnicas que nem sempre foram “feitas” para tal fim, mas sofreram uma adaptação aos objetivos educacionais. Este é o caso do trabalho pedagógico dos jesuítas durante o período colonial, utilizando, por exemplo, a música, o fabrico de instrumentos, o teatro e outras técnicas com o fim de evangelizar e também alfabetizar a população indígena.
        Neste sentido, Cysneiros (1998) analisa a presença dos microcomputadores como uma continuidade do processo de desenvolvimento de técnicas para o trabalho pedagógico, salientando que mesmo que o objetivo primeiro de tais técnicas não tenha sido a educação, ocorre uma adaptação para tal fim.
        Se acompanharmos tal raciocínio, podemos supor que a presença das redes de comunicação na educação encontra-se plenamente amparada na história como sendo mais um momento do uso da tecnologia atual dentro do espaço pedagógico. Deste modo, falar em rede de comunicação para fins educacionais seria adequar mais diretamente a educação àquilo que se apresenta na sociedade como mais capaz de responder aos desafios.
        Penso que esta linha de raciocínio não resolve a questão da relação entre redes de comunicação e educação. No meu modo de ver, é necessário se analisar esta relação, percebendo-a como um momento específico, fruto sem dúvida da sua história – mesmo que breve -, vislumbrando os modos como ela configura os domínios de saber educacionais.
        Em geral, os autores que querem promover o uso de novas tecnologias na educação adotam a perspectiva de compreender a educação como algo atrasado, descompassado da realidade, e premente de mudanças. Para isso, colocam que o mundo se globalizou, que estamos vivendo uma nova era e que só a educação, enquanto domínio do saber, encontra-se “marcando passo” com metodologias e práticas do passado (Ripper, Litto e outros). Por outro lado, o caminho das novas tecnologias é inevitável para a educação.
        O modo como a educação se relaciona com outros domínios da sociedade é característico de cada época. Portanto, supor que haja uma situação de descompasso ou algo parecido não consegue abarcar a trama que compõe a sociedade. A relação entre educação e novas tecnologias se apresenta muito mais como desafios de se “tecer” (formar) a sociedade do que como exigência de uma história já pré estabelecida.
        A educação, em tempos de rede de comunicação, é também a educação das novas tecnologias.

Comunicação por redes, educação e racionalização

        A discussão da comunicação por redes e sua relação com a educação remonta as análises sobre a modernidade e sua crise, e o surgimento de uma pós modernidade, vivida por todos nós.
Não cabe aqui no espaço deste artigo fazer um levantamento desta discussão. Interessa-me somente perceber que a relação educação e comunicação por redes está no bojo daquilo que se costuma chamar de pós modernidade, ou seja, o modo como esta relação se dá/se dará faz parte de uma outra configuração da sociedade, denominada de pós modernidade.
        Para compreender esta questão, relembro que o projeto de modernidade tem como uma de suas bases o processo de racionalização. Este processo se assenta na possibilidade de controle da sociedade em seus diferentes aspectos. Racionalizar é também controlar. Podemos perceber que isto se deu claramente com a Revolução Industrial, em especial com a chamada produção em série. Vejamos. A produção industrial opera um distanciamento entre o trabalhador e a sua produção. Deste modo Marx analisou a sociedade capitalista do século XIX, entendendo que o processo de alienação está na base da estrutura capitalista. Assim, a produção se torna independente de seu produtor, e este um trabalhador alienado. Quanto mais esta alienação se aprofunda, mais o trabalhador se distancia de si mesmo.
        A alienação é a possibilidade do controle, tanto da produção, agora totalmente exterior, como do próprio trabalhador. Assim, o processo de racionalização da sociedade é a tentativa de controlar a sociedade, através do controle da produção e do seu produtor. Neste momento, a educação age como consolidadora deste processo, estabelecendo o distanciamento da sociedade e das pessoas.
        Entendendo desta maneira, as redes de comunicação, enquanto exemplo da contínua evolução tecnológica, se apresentam na esteira deste processo de racionalização . Agora as informações não estão geograficamente do outro lado do mundo, mas sim em um espaço virtual, facilmente acessadas a um “click” , ou seja, o controle se apresenta como uma realidade plenamente factível.
        Quanto ao relacionamento entre as pessoas, as redes de comunicação também se apresentam como contraditórias. Se, por um lado, permitem um rápido e permanente contato, por outro, o distanciamento também está presente. E isto é facilmente percebido: quem é aquele que fala numa “sala de bate papo” (chats) usando um pseudônimo?
        Assim, a comunicação por redes parece promover um maior distanciamento e ao mesmo tempo uma nova forma de relacionamento e de acesso às informações, muito mais dinâmicas e rápidas do que até então.
        Neste sentido é que vejo a possibilidade de pensar a relação entre redes de comunicação e educação. Por um lado permanece, e por vezes aprofunda, o processo de racionalização/controle da sociedade, mas por outro, permite o acesso a novas fontes de informação e o contato, até mesmo em tempo real, com quem não se conhece pessoalmente.
        A educação, então, é chamada a viver uma outra relação, não mais consolidando o distanciamento e a alienação. A evolução técnica, enquanto aperfeiçoamento da condição humana, traz para a sociedade a vivência de novas dimensões.

Redes de comunicação e educação: perspectivas históricas

        A educação, envolvida com as redes de comunicação, é capaz, sem dúvida, de produzir um novo estatuto para si; não como cumprimento de um destino, mas sim como resultado de múltiplos esforços, conflitos e tramas.
        Esta história breve das redes de comunicação já aponta a superação – não eliminação – dos limites vividos pela modernidade, sendo o espaço e o tempo suas marcas distintivas. Assim também, creio, a relação entre educação e redes de comunicação poderá promover a superação de seus limites, mormente do seu tempo e do seu espaço.
        Como exemplo, podemos indicar a perspectiva da educação à distância, o novo papel do professor, o acesso às fontes de informação. A educação estaria portanto superando barreiras geográficas (sala de aula, escola) e também temporais (seriação, ano letivo).
        A evolução técnica das redes e sua concepção de comunicação impulsionam as mudanças em diferentes aspectos da sociedade. Assim, a educação tem a possibilidade de enfrentar um de seus maiores dilemas, que é exatamente a relação entre informação e formação, ou seja, cabe à educação formar as pessoas ou dar-lhes as informações necessárias para que isto ocorra?
        Com o advento das redes de comunicação e a ampliação das possibilidades de contato e acesso a fontes de informação, este dilema histórico da educação passa a ser o de integrar a informação com a comunicação, enquanto processo formativo.

BIBLIOGRAFIA

CYSNEIROS, Paulo Gileno. Professores e máquinas: uma concepção de informática na educação. Mimeo, 1998.
LITTO, Fredric M. Repensando a Educação em função de mudanças sociais e tecnológicas recentes. In BARROS, Vera (org) Informática em Psicopedagogia. São Paulo: SENAC, 1996.
MADDUX, Cleborne D and JOHNSON, D. LaMont. "The World Wide Web: History, Cultural Context, and a Manual for Developers of Educational Information-Based Web Sites." Educational Technology/ Sep-Oct, 1997.
RIPPER, Áfira Viana. O preparo do professor para as novas tecnologias. In BARROS, Vera (org). Informática em Psicopedagogia. São Paulo: SENAC, 1996.
SANTORO, Gerald M. "The Internet: an overview". Communication Education, vol 43, 1994.



Outros artigos que discutem a problemática da educação e suas interfaces com a informática:

- Educação e Tecnologias I

- Educação e Tecnologias II


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