Cotidiano

Questões de método

No Piá não há salas de aula divididas por idades, pois notamos, a partir de Vygotsky , o quanto as crianças mais velhas podem contribuir para o aprendizado das mais novas e vice-versa. Assim, elaboramos um espaço onde crianças de diferentes idades convivem. Somente durante as atividades dirigidas fazemos uma divisão por turmas, que são nomeadas pelas próprias crianças. Este semestre são elas: Coelhinho (2 e 3 anos), Bruxa (4 e 5 anos), Morcego (5 e 6 anos) e Esqueleto (mais de 7 anos). Destacamos, porém, que há uma maleabilidade para que as crianças possam mudar de turma, a partir de uma decisão do coletivo de educadores ou da vontade da criança em participar de determinada atividade.

De Freinet aproveitamos a concepção dos cantos de aprendizagem, separando nosso espaço em quatro cantos (biblioteca e videoteca, artes, música e faz-de-conta), e ainda algumas técnicas como o Livro da Vida, o jornal escolar, a aula-passeio e a correspondência entre projetos. Já de Paulo Freire resgatamos a idéia do quão importante é, para a prática pedagógica, não perder de vista a realidade e os interesses do grupo com o qual se está trabalhando, fator fundamental para a escolha de nossos Eixos Temáticos.

Ainda no que se refere às metodologias de trabalho, Makarenko e Neill nos trazem relevantes reflexões sobre como gerir o espaço pedagógico, concebendo uma prática em que as próprias crianças formulam as regras e participam ativamente de todo o processo educativo. No Piá isto acontece na medida em que as crianças podem sugerir temas para atividades, decidir sobre como organizarão o dia, discutir e buscar soluções, juntamente com os educadores, de problemas cotidianos como brigas ou desentendimentos.

O trabalho no Piá é desenvolvido diariamente por uma equipe composta por no mínimo 2 educadores e 1 estagiário, que varia conforme o dia da semana. Assim, as crianças convivem com diversos adultos, o que amplia o repertório de atividades, os referenciais de autoridade, de estilos de transmissão do conhecimento, de possibilidades de identificação, elementos que julgamos essenciais para a constituição de uma rica relação pedagógica. Vale ressaltar também que, desta maneira nossos educadores e estagiários podem exercer outras atividades essenciais para a manutenção do projeto, refletir sobre as experiências vivenciadas no cotidiano do Piá e dedicar mais tempo à sua formação pessoal.

Vale ressaltar ainda a forma que escolhemos para organizar este trabalho no Piá: através da autogestão, que é um dos princípios do projeto. Esta possibilita uma auto-educação de iguais permanente, única forma de se dar a educação. Considerada um desafio, e, portanto, fonte de algumas dificuldades, na medida em que estamos aprendendo (há alguns anos) como se dá esse tipo de organização de trabalho. Isso porque não existem cargos hierárquicos, nem a dicotomia mandar/obedecer, o que, se por um lado é coerente com o que pensamos sobre a educação e relações humanas, por outro, requer uma aprendizagem, uma vez que todo esquema de estrutura e sustentação de nossa sociedade se opõe a essa outra forma. Esse modelo requer, ainda, movimento permanente de seus membros, uma vez que solicita que estes ocupem múltiplos papéis: educadores e pesquisadores, pais e gestores, mães e cozinheiras, etc.

 

Planejamento e avaliação

Uma vez que o trabalho no Piá é baseado em uma estrutura autogestionada, onde as ações são realizadas a partir de comissões de trabalho que se intercruzam, faz-se necessário um planejamento consistente e uma avaliação constante das ações. Neste sentido, priorizamos algumas estratégias que facilitam a consolidação do trabalho, como a elaboração de um planejamento semestral de todas as comissões e das atividades desenvolvidas com as crianças, e também, a sistematização e produção teórica a partir da prática cotidiana no projeto, o que muito auxilia na percepção das necessidades e prioridades do mesmo.

Dessa forma, o planejamento e a avaliação acontecem nos dois âmbitos de trabalho do Piá: nas Comissões de Trabalho e nas atividades com as crianças.

Comissões de Trabalho

A pesquisa por possibilidades de financiamento – editais públicos e privados – é realizada ao longo de todo o semestre e são dedicados momentos de nossas reuniões semanais de planejamento para a avaliação e redirecionamento das próximas ações. Assim também acontece em nossas reuniões mensais, com duração de oito horas, onde além de grupo de estudos – em que discutimos textos teóricos sobre questões atuais que permeiam nossa sociedade – realizamos uma avaliação das ações desenvolvidas no período. Estas reuniões são abertas aos pais e membros colaboradores do projeto para que possam participar tanto das discussões sobre o cotidiano do Piá e sua relação com a comunidade, quanto da elaboração de propostas para possíveis fontes de financiamento e para a utilização dos recursos captados.

Há, ainda, um encontro semestralde educadores e estagiários no qual dedicamos alguns dias no decorrer do semestre para a avaliação do que foi realizado até então pelas Comissões de Trabalho, permitindo uma reorganização das ações a partir das propostas e possibilidades de financiamento que surgem ao longo do semestre, no intuito de garantirmos a concretização de todos os nossos objetivos.

Outro instrumento que nos permite ter uma visão do conjunto das ações realizadas é o Relatório Semestral. Por meio deste relatório traçamos metas e prazos para o semestre seguinte.

Atividades com as crianças

Assim como no planejamento e avaliação das comissões, o trabalho com as crianças, é direcionado semanalmente. Há reuniões e grupo de estudos ao longo do semestre, que são permeados pela percepção de cada educador sobre o grupo de crianças ou de cada uma individualmente. Elaboramos, ainda, a cada semestre um Relatório Geral, que narra os pontos e questões vivenciadas no período, assim como as atividades desenvolvidas nos Projetos Especiais e no Eixo Temático.

Nos Relatórios Individuais apontamos elementos relevantes que permearam o processo de desenvolvimento de cada criança. Estes relatórios apresentam-se como instrumentos de avaliação e apresentação do nosso trabalho aos pais. Através deles podemos retomar questões e direcionar possíveis formas de lidar com as dificuldades e conflitos que aparecem ao longo do processo de cada criança, na sua relação e percepção do mundo.

 

 

O espaço (casa):

O Piá está instalado em uma sala do Centro Esportivo e Educacional “Raul Tabajara”, da Secretaria Municipal de Esportes, Lazer e Recreação. Usufruimos de toda a estrutura física do clube: refeitório, teatro, piscina, campo de futebol e área verde.

A sala do Piá é dividida em cantos de aprendizagem(LINK), o que propicia a integração, numa mesma sala, de diversas possibilidades de exploração das brincadeiras, além de disponibilizar diferentes linguagens para a abordagem dos temas durante as atividades propostas pelos educadores.

cantos de aprendizagem

O Cantinho de Música é onde estão os objetos e brinquedos usados como instrumentos musicais, o aparelho de som e os cd’s infantis criteriosamente selecionados pelas educadoras do Piá. Nele são exploradas a linguagem e percepção musicais: os diferentes ritmos e estilos musicais, a improvisação, a descoberta dos sons do corpo etc.

No Cantinho de Faz-de-Conta estão os móveis da casinha, as roupas e os apetrechos que dão forma à representação de personagens reais ou imaginários. Este cantinho possibilita à criança reproduzir os papéis sociais observados em seu cotidiano, além de dar a ela elementos para a criação e representação de histórias que nascem do seu imaginário.

No Cantinho da Bibliotecae Videoteca estão os livros infantis e infanto-juvenis do acervo do Piá. Nele se encontram também a TV e o vídeo utilizados na Hora do Cineminha.

O Cantinho de Artes é onde acontece a maior parte das produções artísticas das crianças, como os trabalhos de pintura, desenho e as atividades com sucata e argila.

 

Dia-a-dia

O dia de Piá é dividido em momentos distintos, destinados à atividades e brincadeiras, e ao descanso e alimentação. Conheça um pouco cada um deles:

QUADRINHO - História do Pedrinho

“Era uma vez um menino que chamava Pedrinho, ele tinha 6 anos e ia no Piá. Lá ele gostava de desenhar, pintar, ouvir música, brincar no parquinho, brincar de boneca e mexer na água. Brincava no escorregador, no balanço e no gira-gira. Ele gostava de dar cambalhota. Era muito sapeca e bagunceiro, mas um pouco obediente.”

Definimos quais serão os ajudantes, fazemos o calendário – com o auxilio dos nossos ajudantes -, colocamos os nomes no mural, vemos quem faltou, quantas e quais são as educadoras e os estagiários do dia etc. Quando trabalhamos com o calendário ou mesmo com os nomes das crianças estamos desenvolvendo uma atividade de letramento. As crianças, inclusive as menores, se envolvem bastante, observando, por exemplo, as letras e sílabas que escrevemos na lousa que são as iniciais dos nomes de cada criança: algumas identificam pelo som, outros reconhecem as letras e logo descobrem o nome.

Entendemos por Letramento da criança o processo de desenvolvimento de suas capacidades de percepção e compreensão da realidade em que está inserida. Processo este que se inicia já nos primeiros anos de vida do indivíduo, quando este começa a atribuir significados ao mundo do qual faz parte, passando pela oralidade, o desenho e posteriormente pela aquisição da linguagem escrita, fazendo-se constante na medida em que este indivíduo reconstrói sua leitura de mundo e modifica seu posicionamento em relação a este.

Atividade Livre

A Atividade Livre no Piá é um dos momentos mais importantes do dia. São horas em que as crianças têm plena liberdade de escolher o que querem fazer: brincar nos cantinhos da sala, no parquinho, na grama, no “clubinho”, ouvir ou cantar músicas, jogar bola, ler ou ouvir histórias, fazer um desenho, dormir, observar as outras crianças brincando, sentar ao lado das educadoras e ouvir seus “papos de adulto”, ou simplesmente “fazer nada”. Tudo isto sozinhas, acompanhadas do melhor amigo, ou em “bando”. Destas atividades podem participar mesmo as crianças que não estão regularmente matriculadas no Piá.

O papel dos educadores na atividade livre é o de acompanhar as crianças de longe e intervir apenas se julgarmos necessário, caso alguém esteja correndo algum risco de se machucar ou de ser machucado por outro e quando somos solicitados para ajudar a resolver um conflito, convidados para participar de alguma brincadeira, ou para tocar uma atividade como contar uma história.

Este é um momento essencial para a constituição do sujeito, em que as crianças aprendem muito umas com as outras, testam diversas regras sociais, elaboram experiências e expressam seus desejos.

Atividades Dirigidas

As atividades dirigidas são momentos conduzidos pelos adultos. Eles acontecem com cada turma de crianças pelo uma vez durante o dia de Piá. Pela manhã desenvolvemos, com as crianças até 6 anos, o Eixo Temático. A parte da tarde é reservada para os Projetos Especiais, que são desenvolvidos também com o grupo de crianças que freqüenta a escola no período da manhã.

Roda de História

A leitura de histórias é muito valorizada no Piá. Reservamos um momento do dia específico para isto, a Roda de História.

Entendemos que o contato com histórias e fábulas, tanto através da leitura silenciosa e individual, quanto da narração para o grupo de crianças é muito importante, pois esta é uma atividade que, juntamente com tantas outras, possibilita o início do envolvimento e aproximação da criança com toda uma tradição cultural acumulada ao longo dos séculos de existência humana, que chegou até nós através da transmissão oral e escrita, e que poderá dar subsídios para que a criança compreenda e também participe dos processos de produção cultural de sua época.

Assim, construímos diariamente todo um ritual em torno do ato de narrar histórias, instigando a imaginação e a curiosidade das crianças, pois a cada livro, uma aventura se inicia. Percebemos que podíamos instigá-las, capturar ainda mais sua atenção se introduzíssemos um ‘suspense’ ou outro elemento que provoque sua curiosidade: começamos a contar uma história e paramos bem no clímax do enredo. As crianças querem saber logo como é o fim, mas a história só termina no dia seguinte, e às vezes é contada ao longo de uma semana. Outras vezes trazemos a coruja ou outro personagem para escolher a história e ajudar a contá-la. Todo este ritual contribui para a construção de um clima de magia e encantamento que possam despertar nas crianças o interesse pela leitura, pela literatura.

Arrumação da Sala

Outra coisa muito importante para a formação da criança e, também, para a constituição do nosso grupo diz respeito à elaboração das regras e à responsabilidade pelo espaço. Desde o início do semestre introduzimos a necessidade da arrumação cotidiana, do cuidado com os brinquedos, com a sala do Piá e com o clube, espaço público freqüentado por outras pessoas.

Conversamos sobre os cantinhos da sala, o que tem em cada um e do que elas brincam mais em cada canto. Pensamos o que pode e o que não pode ser feito em cada lugar. Reservamos, então, um momento do dia para a arrumação coletiva do espaço, onde todos contribuem para que tudo esteja em ordem para começarmos o próximo dia de Piá.

Hora de ir embora

Sabemos que a questão da participação e apropriação das famílias no processo de formação de seus filhos é apontada em quase todos os espaços de educação. Este entendimento não é simples, uma vez que enfrenta a visão de que o espaço de educação é o único responsável pela formação intelectual das crianças. E esta questão é agravada, quando a família é obrigada a uma imersão em longas jornadas de trabalho para garantir seu sustento.

O processo para amenizar este distanciamento se deu nos momentos de chegada e saída das crianças, nas reuniões de pais e também na interação com e entre as famílias do Piá durante a organização e a realização de eventos culturais, formativos e/ou comemorativos no decorrer dos semestres.

Nestes momentos podemos conversar com os pais com mais calma: contamos como foi o dia, como estão seus filhos, escutamos o que eles possam ter a nos dizer sobre as crianças.

Pernoite e passeios

Atividades que complementam e enriquece o trabalho desenvolvido com as crianças são as pernoites e as aulas-passeio.

Pernoite

Nossa última atividade, antes de entrarmos de férias, é a pernoite. Esta é uma grande noite, porque representa muitas vitórias, tanto dos pais, quanto das crianças. Enfrentar o medo de passar uma noite sem os pais, num lugar com um montão de outras crianças, de dormir em horário estranho. Para os pais, o receio de deixar o filho dormir fora de casa, tão pequenino ainda, medo dele chorar, estranhar, ter que controlar a saudade...

Mas é sempre uma noite muito divertida. Fazemos a caça ao tesouro que o pirata deixa no clube – e que tesouro! – muitas balas e chocolates; comemos pizza, sopa da bruxa e outras coisas gostosas.

Aula-passeio

São passeios que realizamos com as crianças a espaços culturais e lúdicos que possam possibilitar experiências e vivências interessantes, como ao Parque do Ibirapuera, Sesc Itaquera, Teatro Municipal, Pátio do Colégio, Zoológico, Parque da Água Branca, peças teatrais e concertos infantis, Museus, entre outros. Ne stes passeios temos como objetivo o desenvolvimento de atividades que propiciem lazer, além do enriquecimento cultural e contato com diferentes formas de expressões artísticas.