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Paulo Reglus Neves Freire
por Daniel Orey, José Pedro Machado Ribeiro e Rogério Ferreira
Aos dezenove dias do mês de setembro de um mil novecentos e vinte e um, na cidade de Recife, teve início o ciclo vital que viria re-significar as palavras, as quais na ambiência educacional se transformam, fundamentalmente, em simbologia escrita. Neste dia iluminado nasceu Paulo Reglus Neves Freire, ou simplesmente Paulo Freire, homem que dedicaria toda sua vida a uma educação dialogada, nutrida de amor, humildade e esperança, na qual a humanização é ponto central da mais verdadeira liberdade - e não de uma liberdade falseada em prol de sistemas dominadores.

Foi, na casa onde nasceu, à sombra da mangueira do quintal que aprendeu, com a ajuda dos pais, a dar sentido oral ao que inicialmente parecia um amontoado de traços denominados letras. Da intimidade com as árvores à intimidade com o universo pedagógico viveu um tempo que o fez conhecer a sensação da fome e as conseqüências da miséria – a crise econômica mundial de 1929 fez-se realidade no nordeste brasileiro. Ainda jovem reconheceu a dimensão política da educação, cujo processo apaixonado desencadeou múltiplos frutos teórico-práticos de valor incomensurável. Em 1944, aos 23 anos de idade, outra paixão se consolidou: Freire se casou com a professora Elza Maria Costa de Oliveira. União de amor intenso, compartilhado com vigor mesmo nos momentos de dificuldade extrema. Tiveram cinco filhos e juntos construíram uma história ímpar.

Separaram-se no dia 24 de outubro de 1986, com a morte de Elza. Foram mais de quarenta anos de um conviver harmonioso e solidário, um “namoro eterno” em profundidade. Após a partida da esposa, escreveu cartas a ela direcionadas e nunca quis torná-las públicas.

Fez-se conhecido ao se aprofundar na temática da alfabetização. Mas o que significava, para Paulo, alfabetizar? Na verdade, desde o início, ele reconheceu a necessidade de redefinir o conceito de alfabetização, a partir de princípios diferenciados para desencadear numa aprendizagem reflexiva, crítica, contextualizada. Na proposta freiriana, palavras e temas geradores surgem em proximidade com o cotidiano, com a realidade sócio-político-cultural, conduzindo a uma conscientização produtiva - capaz de compreender as relações que a envolve – e então, transformá-las. Neste contexto, princípios humanizados regem a práxis do educador e do educando, não apenas para ler e escrever, mas também para se lê e no que se escreve em liberdade de pensamento - a consciência do que se conhece, assim como do que é valor para o opressor na relação com o oprimido, o que ele necessita para manter-se ou não na posição de dominador. Paulo via na “investigação”, “tematização” e “problematização” etapas necessárias a uma alfabetização que tem por finalidade, além do ato de ler e escrever, constituir-se em formação de consciência crítica. Obteve êxito nas suas primeiras experiências na região nordeste do Brasil e, como conseqüência, foi convidado, pelo governo do então presidente João Goulart, para coordenar o Plano Nacional de Alfabetização. Oportunidade única de conduzir os marginalizados da sociedade a uma posição de dignidade.

Oportunidade única de transformar o quadro educacional brasileiro, tendo por fundamento o caráter qualitativo e não o quantitativo que desvirtua a realidade e a todos entristece ao preencher as tabelas estatísticas oficiais. Infelizmente, o golpe militar de 1964 interrompeu o processo que instalaria 20 mil “círculos de cultura” que atenderia dois milhões de “alfabetizandos”. Tinha início uma fase perversa da história brasileira, na qual forças ditatoriais ganharam posições de destaque no cenário político nacional.

Paulo Freire foi preso em junho de 1964, por ser um brasileiro politizado, por ter consciência das estratégias utilizadas por quem massacra, por ver no amor a arma maior para a revolução, por ser um homem que comunica com a diferença, por acreditar na educação como fonte de libertação - enfim, por crer na mudança e a favor dela agir incansavelmente. Foram setenta dias de angústia e sofrimento. A partir daí o exílio: Bolívia, Chile, Estados Unidos, Suíça, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, Austrália, ..., o mundo. Professor da Universidade Católica de Santiago, Consultor especial da UNESCO, Professor convidado do Centro de Estudos de Desenvolvimento em Harvard, Consultor do Conselho Mundial das Igrejas, Conselheiro Educacional dos governos do 3º mundo, Presidente do Comitê Executivo do Instituto de Ação Cultural, Organizador dos programas nacionais de alfabetização de Guiné Bissau e São Tomé e Príncipe. Estas são algumas das funções exercidas ao redor do mundo por esse educador que, ao mesmo tempo que se entregava às atividades funcionais que lhe cabia, produzia obras escritas que ganhariam reconhecimento mundial e delas fariam uma luz cujos feixes eram sustentáveis o suficiente para, por meio da valorização cultural, criar sociedades mais justas.

O diálogo, no cerne das suas perspectivas pedagógicas de Freire, constrói uma teoria dialógica constituída por colaboração, união, organização e síntese cultural. Contrapõe-se, assim, ao anti-diálogo que se funda nos respectivos opostos: necessidade da conquista, divisão para dominação, manipulação e invasão cultural - é contrário às concepções educacionais que posicionam o educando num patamar inferior. A “pedagogia do oprimido” busca estabelecer o encontro entre a consciência dominada, que nela hospeda o dominador, e a liderança revolucionária para constituir-se em teoria favorável à ação do oprimido. Em suas próprias palavras:

...o povo, por sua vez, enquanto esmagado e oprimido, introjetando o opressor, não pode, sozinho, constituir a teoria de sua ação libertadora. Somente no encontro com a liderança revolucionária, na comunhão de ambos, na práxis de ambos, é que esta teoria se faz e se refaz.

Em 1979, como cidadão do mundo, pôde pisar novamente no solo brasileiro. Mas somente em março de 1980, ao desembarcar no aeroporto de Viracopos, Campinas, após mais de quinze anos de exílio, retornou definitivamente à pátria que muito perdera com a sua ausência – um dentre os vários malefícios causados por um insensato preconceito ideológico. Segundo Freire, o longo tempo que passara fora do país exigia edificar uma maior intimidade com a sua atualidade. Era preciso “...reaprender o Brasil”. Logo em seguida ao retorno foi contratado pela Universidade de Campinas, apesar das dificuldades impostas pelo reitor. Talvez este não tenha considerado que a Paulo Freire já havia sido designado o título de Doutor Honoris Causa por quatro expressivas instituições: Open University de Londres, Universidade de Louvain (Bélgica), Universidade de Michigan (Estados Unidos) e Universidade de Genebra (Suíça) – mais tarde este número chegaria a vinte e sete.

Filiou-se ao Partido dos Trabalhadores e durante seis anos trabalhou como diretor da Fundação Wilson Pinheiro, onde mais uma vez, esteve envolvido com alfabetização de adultos. Em 1986, recebeu o prêmio UNESCO da Educação para Paz reafirmando não acreditar em qualquer mecanismo educacional que esconda o mundo das injustiças, desde que a perversão social é o empecilho primeiro para se alcançar a paz. Foi reintegrado, como professor, à Universidade Federal de Pernambuco e, no fim da década de 80, assumiu o cargo de Secretário de Educação no Município de São Paulo. Dentre as várias outras atividades com as quais se envolveu, posteriormente ao exílio, encontram-se os trabalhos teóricos que a cada publicação tornavam a sua obra mais rica e fundamentada. A busca da transformação consciente, a paixão pelo ensino, brotada na juventude, permaneceu ao seu lado, servindo-lhe de guia, durante toda a caminhada que constitui a sua história.

Em 1987, casou-se com Ana Maria Hasche, que se tornou Ana Maria de Araújo Freire, posicionando, assim, o recomeço não só como uma possibilidade contínua, como uma oportunidade de todos perceberem que a felicidade é viável quando preconceitos não se estabelecem no ser que a deseja.

Paulo Reglus Neves Freire faleceu no dia dois de maio de 1997, pouco tempo após ter lançado o seu último livro: “Pedagogia da Autonomia: Saberes Necessários à Prática Educativa”. Fez da produção um ato contínuo. Doou ao mundo uma história de vida que a todos ensina. Doou à Educação um conjunto de trabalhos em harmonia com as realidades sócio-políticas. Mostrou à academia que ela própria é culturalmente situada. Vida e obra transcenderam os padrões globalizados a favor da coerência e da justiça. Por isso, serão eternamente lembrados. Mais do que isso: servirão de parâmetro para quem vê “A Educação como Prática da Liberdade”.

Cronologia:
1921 – Nasceu no Recife-PE-Brasil Paulo Reglus Neves Freire
1927 – Paulo Freire, alfabetizado pelos pais, inicia seus estudos na escolinha particular da professora Eunice Vasconcelos
1929 – Quebra da Bolsa de Nova York – a crise afeta drasticamente o mercado brasileiro
1931 – A família Freire muda para Jaboatão-PE, a 18 quilômetros distante de Recife
1934 – Paulo Freire perde seu pai, com quem tinha muita afetividade e amor
1937 – Paulo Freire ingressa no Colégio Oswaldo Cruz (COC) do Recife para cursar, tardiamente, o 2o ano secundário
1943 – Inicia o curso de Direito na Faculdade de Direito do Recife (hoje anexada à Universidade Federal do Pernambuco – UFPE)
1944 – Paulo Freire casa-se com a professora primária Elsa Maria Costa Oliveira – com quem viveu uma intensa paixão, de dedicação
1944 – De aluno, Paulo Freire, passa a professor de Língua Portuguesa do Colégio Oswaldo Cruz
1944 – Os Pracinhas da FEB são enviados ao combate na 2a Grande Guerra, na Itália. Paulo Freire foi dispensado por estar exercendo docência
1947 – Realização do I Congresso Nacional de Educação de Adultos
1947/1954 – Trabalhou como diretor do Setor de Educação e Cultura do serviço Social da Industria (SESI). Foi nesse período que ele aprendeu a dialogar com a classe trabalhadora . Por meio da prática tornou-se um educador
1954/1957 – Exerceu o cargo de superintendente do SESI
1956 – Nomeado membro do Conselho Consultivo de Educação do Recife
1958 – Apresentou no II Congresso Nacional de Educação de Adultos o relatório intitulado “A Educação de Adultos e as populações marginais: o problema dos mocambos”
1959 – Paulo Freire escreveu “Educação e Atualidade Brasileira” tese que concorreu a cadeira de professor de História e Filosofia da Escola de Belas Artes do Recife
1961 – Paulo Freire assume o cargo de diretor da divisão de Cultura e Recreação do Departamento de Documentação e Cultura da Prefeitura Municipal do Recife
1961 – Assumiu a cadeira de Professor Efetivo de Filosofia e História da Educação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade do Recife (hoje UFPE)
1961 – O presidente da Republica Jânio Quadros renuncia após quase oito meses de governo. Os militares resistem em entregar o poder ao vice presidente João Goulart
1961/1962 – Paulo Freire desenvolve as primeiras experiências de alfabetização de adultos nos municípios de Angicos (RN) e Mossoró (RN) – utilizando o sistema “Método Paulo Freire” de alfabetização.
1962 – Em Angicos alfabetiza 300 trabalhadores rurais em 45 dias
1963 – Paulo Freire desenvolve um trabalho de alfabetização de adultos no Gama-DF – utilizando o sistema “Método Paulo Freire” de alfabetização.
1964 – É criado pelo presidente João Goulart o “Plano Nacional de Adultos”. Sua coordenação sob os cuidados de Paulo Freire, que tinha como objetivo alfabetizar, conscientizando e politizando, 5 milhões de adultos em dois anos
1964 – Golpe de Estado no Brasil – Golpe Militar
1964 – Paulo Freire ficou preso (prisão política) por dois meses e meio
1964 – Paulo Freire exila-se na Bolívia por poucos dias, e durante a sua estada ocorre um golpe de estado neste país. Em seguida exila no Chile
1964/1969 – Trabalhou no Instituto de Capacitação e Investigação em Reforma Agrária (ICIRA) na reformulação do Plano de Educação e Massa do Chile. Professor da Universidade Católica de Santiago do Chile
1967 – Publica o livro “Educação como pratica da liberdade”
1969 – Convidado para trabalhar na Universidade de Harvard-EUA e pelo Conselho Mundial da Igrejas em Genebra-Suíça. Decide ir para Harvard onde permanece por dez meses.
1970 – Publica o livro “Pedagogia do Oprimido”
1970 – Paulo Freire muda para Genebra para trabalhar como consultor do Departamento de Educação do Conselho Mundial de Igrejas.
1971 – É fundado o Instituto de Ação Cultural (IDAC) por Paulo Freire e um grupo de brasileiros
1975/1977 – Paulo Freire e sua equipe do IDAC contribuiu para o desenvolvimento do Programa Nacional de Alfabetização da Guiné-Bissau
1975/1978 – Paulo Freire trabalhou em São Tomé e Príncipe como educador militante da causa da libertação dos oprimidos
1979 – O presidente da republica João Baptista Figueiredo sanciona a lei que concede anistia aos exilados políticos
1980 – Depois de 16 anos Paulo Freire volta do exílio – marcando nova etapa na sua vida: “reaprender o Brasil”, palavras dele
1980 – Paulo Freire começa a trabalhar como docente na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)
1980/1990 – Professor da Universidade Estadual de Campinas UNICAMP)
1984 – Diretas Já – Movimento nacional em prol da redemocratização política do Brasil
1986 – Falece Elsa Maria Costa Oliveira, a esposa de Paulo Freire que o acompanhou durante todo o seu exílio.
1986 – Recebe o prêmio “Educação para a Paz” da UNESCO em Paris-França
1988 – O segundo casamento de Paulo Freire, com Ana Maria Araújo Freire
1989 – Primeira eleição direta para presidente do Brasil depois do Golpe de 64
1989 – Paulo Freire assume a Secretaria de Educação do Município de São Paulo, no pleito da prefeita Luiza Erudina de Sousa do Partido dos Trabalhadores.
1990/1993 – Paulo Freire o então Secretário de Educação do Município de São Paulo propõe e implementa o projeto MOVA-SP – Movimento de Alfabetização do Município de São Paulo
1992 – Publica o livro “Pedagogia da Esperança” – reencontra a pedagogia do oprimido
1996 – Publica o seu último livro “Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa”
1997 – Falece Paulo Freire. Dito seu: “ …ao fazer a docência o meio da minha vida, eu termino transformando a docência no fim de minha vida”
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Ubiratan D´Ambrosio
por Benerval Pinheiro Santos
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